Economia
Lições do Bom Livro
“O que Deus fará mostrou ao Faraó. Eis que sete anos vêm; haverá fartura grande em toda a terra do Egito. E levantar-se-ão sete anos de fome atrás deles; e será esquecida toda fartura na terra do Egito (...) E agora veja o Faraó um homem entendido e sábio, e ponha-o sobre a terra do Egito (...) e aprovisione a terra do Egito nos sete anos de fartura (...) E será o alimento como reserva, para o povo, para os sete anos de fome (Gênesis, 41, 28-37)”.
José entendia naquela época mais de política fiscal (isto é, dos gastos e da receita do governo) do que nossos “desenvolvimentistas”, que hoje saúdam a recomendação de expansão fiscal para lidar com a crise americana como a redenção da “heterodoxia” e o fim do Consenso de Washington. José, por exemplo, sabia que não haveria condições de prover nos anos de fome aquilo que não tivesse sido poupado nos anos de fartura, ou seja, que a política fiscal deve ser anti-cíclica.
Sabem isto também os países que pretendem dispor da política fiscal para atenuar o ciclo econômico. Em períodos de prosperidade, estes costumam reconhecer que parte do seu desempenho fiscal está associada à “fartura da terra”, e que esta pode desaparecer quando a “fartura for esquecida”. Cientes disso, aproveitam tais períodos para poupar os ganhos extraordinários, não mais estocando grãos, mas, de forma equivalente, reduzindo sua dívida e evitando expandir gastos em linha com a receita. Desta forma, quando os “sete anos de fome” se materializam tais países têm um segundo instrumento, além da taxa de juros, para lidar com a crise.
No caso americano, esta não é a primeira vez que esta política é adotada. Na recessão anterior, por exemplo, o superávit fiscal – que havia atingido 2,6% do PIB em 2000 – transformou-se em déficit equivalente a 3,7% do PIB em meados de 2004, uma expansão fiscal considerável. No entanto, assim que a economia americana voltou a um ritmo de crescimento mais acelerado, o déficit fiscal foi reduzido de forma contínua, até atingir modestos 1,2% do PIB no ano fiscal de 2007, a despeito dos gastos militares. A dívida pública, de forma consistente com isto, interropeu sua trajetória de alta, caindo de 37,9% para 37,1% do PIB entre 2005 e 2007.
A melhora das condições fiscais no período recente deu aos EUA a oportunidade de expandir gastos e cortar impostos para mitigar a recessão, ainda que em proporções inferiores às que se observavam no início desta década. Isto não representa qualquer abandono da “ortodoxia”; pelo contrário, é a recompensa pela prática de uma política fiscal responsável. Caso reste alguma dúvida, peço ao leitor que imagine se a reação do mercado seria tão positiva a um programa de expansão fiscal caso os EUA ostentassem um déficit público próximo a 4% do PIB e uma dívida crescente. Muito provavelmente as taxas de juros dos títulos de 5, 10 e 30 anos subiriam, dificultando, ao invés de auxiliar, o trabalho do Fed.
Nós aprendemos apenas parcialmente as lições do Bom Livro. Conseguimos reduzir bastante nossa dívida, quase 10% do PIB nos últimos quatro anos, mas continuamos a aumentar os gastos públicos como se a prosperidade fosse durar para sempre. Nos anos de vacas magras, porém, o tamanho do gasto e a rigidez orçamentária deixarão pouco espaço para a política fiscal. José sabia, mas os “desenvolvimentistas” ainda não entenderam.
(Publicado 6/Fev/2008)
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