Kiwi tuu
Economia

Kiwi tuu


QE2 (pronuncia-se “kiwi tuu”), como ficou conhecida, é a nova tentativa do Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano) de impulsionar a economia dos EUA após sinais de perda de fôlego da recuperação. Concretamente consiste na compra de mais US$ 600 bilhões em títulos do Tesouro americano, de preferência com prazo entre 5 e 6 anos, de modo a reduzir as taxas de juros dos títulos daquela maturidade.

Em condições normais não é exatamente assim que se opera a política monetária. Na prática, bancos centrais preferem agir diretamente sobre a taxa de juros – quase sempre a taxa overnight (aplicável a empréstimos de um dia) – comprometendo-se a emprestar e tomar emprestados recursos à taxa meta determinada pelos seus comitês de política monetária, isto é, pela compra (ou venda) ilimitada de títulos à taxa meta.

No entanto, o Fed já reduziu a taxa de juros overnight para praticamente zero e é impossível reduzi-la ainda mais. De fato, se um título fosse remunerado a taxas nominais negativas, seus detentores sempre poderiam trocá-los por notas de dinheiro, cujo retorno (zero) seria superior.

A ocorrência de juro zero, ainda que rara, não é inédita: aconteceu durante a Grande Depressão e, mais recentemente, tornou-se característica da longa crise japonesa. Passou a ser, desde então, objeto de estudos por parte de economistas monetários, entre eles o atual presidente do Fed, Ben Bernanke. Em 2002, já no Fed, embora não como seu presidente, Bernanke, numa palestra famosa, sugeriu os passos que deveriam ser seguidos para contornar o problema caso ele viesse (como afinal veio) a se manifestar.

Dizia então que o Fed poderia estender para maturidades mais longas os mesmos procedimentos que usa para fixar a taxa de juros de um dia, isto é, se comprometer a comprar ilimitadamente títulos de, digamos, 5 anos, para fixar seu rendimento. A bem da verdade, o Fed não foi tão longe na decisão da semana passada, anunciando, em princípio, que sua intervenção está limitada a US$ 600 bilhões até junho de 2011 (que, somados ao reinvestimento dos títulos a vencer, representam compras de aproximadamente US$ 900 bilhões).

Ainda assim, mesmo antes do anúncio da decisão, as taxas de juros dos papéis mais longos se reduziram nos últimos dois meses: houve uma queda próxima a 0,50% ao ano no caso dos títulos de 5 anos. Em outras circunstâncias isto representaria um impulso considerável à demanda interna.

No entanto, não vivemos em condições normais (fosse o caso, não estaríamos discutindo QE2) e restam dúvidas sérias acerca da disposição de consumidores e empresas americanas em elevar seus gastos, mesmo com taxas de juros mais baixas, isto para não mencionar a pouca disposição dos bancos (ainda fragilizados) no sentido de aumentar a disponibilidade de crédito. Em outras palavras, há chances consideráveis de que esta estratégia não funcione, isto é, que a trajetória da economia com QE2 seja muito similar à que ocorreria na ausência de QE2.

Isto dito, deve ser claro que, nas atuais circunstâncias, trata-se de um risco que o Fed tem que correr. Com efeito, o risco maior é o de pecar por omissão e permitir que a fraqueza hoje existente se transforme no temido “segundo mergulho”, que poderia levar os EUA ao território deflacionário, com conseqüências sérias para a economia mundial.

À luz disto, só a obsessão equivocada com a taxa de câmbio real-dólar (deixando de lado todas as demais moedas contra as quais o real se depreciou) poderia explicar a reação de certas autoridades. Ignorando que QE2 é uma tentativa de acelerar a demanda interna, tal mania os leva a interpretá-la como uma estratégia para desvalorizar o dólar (numa economia em que exportações representam meros 12% do PIB!), enquanto engolem placidamente práticas bem mais deletérias por parte de outros países da China.

(Publicado 10/Nov/2010)

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