Economia
Jogo de empurra
Os sinais de piora do desempenho fiscal do país se avolumam. Há pouco o secretário do Tesouro anunciou que o governo federal deixaria de elevar seu superávit primário para compensar eventuais desvios de estados e municípios. Mais recentemente voltou à carga, avisando que “em 2013 e 2014, e provavelmente será essa a política em 2015 e 2016, o superávit primário será sempre uma variável da economia e não mais da dívida pública em si”.
Gramática trôpega à parte, trata-se da velha tentativa de vender a incapacidade do governo atingir a meta fiscal como se fosse uma política deliberadamente anticíclica, isto é, de redução do superávit em anos de fraqueza da economia, a ser compensada pelo seu aumento em anos melhores. Aliás, não por coincidência o anúncio coincidiu com a divulgação da queda de 41% no superávit primário federal.
O próprio enunciado acima deixa clara a natureza do problema. O governo alegremente gasta mais quando considera que o desempenho econômico é inferior àquilo que gostaria de obter em termos de crescimento. Já a segunda parte, a redução dos gastos quando a economia tem um desempenho melhor, é uma promessa – ao contrário da primeira – jamais cumprida.
Isto, porém, é mais do que sabido e não vale nova discussão aqui, apesar da repetida insistência governamental no conto da política anticíclica.
A questão que quero analisar hoje é a definição do gatilho que deflagraria a política supostamente anticíclica. Parece claro que a motivação para este tipo de medida é a premissa que o crescimento depende apenas da demanda. Assim, quando o crescimento atinge níveis que o governo julga baixos, seria seu papel acelerar a expansão do produto por meio do aumento do gasto (ou redução de tributos).
O problema é que, como a evolução recente da economia brasileira tem ilustrado, o baixo crescimento pode não resultar da fraqueza da demanda, mas da incapacidade de expansão da oferta. Posto de outra forma, o que o governo toma como redução do crescimento relativamente ao potencial da economia pode ser, na verdade, a expressão de que o crescimento potencial pressuposto é exagerado.
Concretamente, a experiência do período 2004-2010 parece ter cristalizado, em particular no Ministério da Fazenda, a visão que a capacidade de expansão do país seria algo na faixa de 4% a 4,5% ao ano. Quando, portanto, o crescimento ficasse abaixo disto a política fiscal deveria se tornar expansionista (e nem menciono o vice-versa, que na prática nunca aconteceu).
Ocorre que, como já argumentei aqui, muito embora o crescimento médio entre 2004 e 2010 tenha, de fato, ficado nestes níveis, este ritmo não poderia ser tomado como medida de potencial do país por um motivo bastante simples: a taxa de desemprego caiu de forma sistemática no período. Caso aquele ritmo fosse próximo ao potencial, a taxa de desemprego teria ficado estável.
Não é por outro motivo que até o BC admite que o crescimento mais lento se deve a “limitações do lado da oferta”, expressas, segundo seu Diretor de Política Econômica, num potencial modesto, na faixa de 3% ao ano, um dos motivos que induziu o Copom a iniciar seu arremedo de aperto monetário.
Por conta disto temos BC e Tesouro empurrando a economia em direções opostas, um tentando timidamente segurar a demanda, outro preocupado em estimulá-la (e ninguém pensando em como expandir a oferta).
Obviamente, o BC, constrangido, subirá apenas modestamente a taxa de juros, enquanto o Tesouro deverá seguir reduzindo o superávit primário, além de ter dado rédeas livres para que estados e municípios façam o mesmo, não por acaso a um ano das eleições.
Não é necessária uma bola de cristal para saber quem ganhará o jogo. Já os verdadeiros perdedores somos nós, que pagamos pela inflação resultante desta combinação de política. A barriga empurra a conta e, quando vier a cobrança, ainda nos lamentaremos destas estripulias fiscais.
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Um BC comprometido |
(Publicado 30/Abr/2013)
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