Doença holandesa x evidência holandesa
Economia

Doença holandesa x evidência holandesa


A persistência dos nossos keynesianos de quermesse em tentar demonstrar a inexorável destruição da indústria brasileira merece um estudo sociológico. Eu, mero economista, não consigo entender como ainda exista quem defenda tenazmente uma tese que os dados insistem em refutar, mas talvez algum colega da área de humanas (um psicólogo, quem sabe?) obtenha êxito onde os treinados sob o pressuposto da racionalidade enfrentam dificuldades.

Não se trata apenas de notar, por exemplo, que nos últimos 15 anos a participação da indústria de transformação no valor adicionado tem se mantido ao redor de 16,5% , mesmo porque, em prazos mais longos, seria de se esperar que tal participação caísse, refletindo o fenômeno universal do aumento da demanda por serviços quando a renda per capita se eleva. Apontar que a indústria perdeu participação no PIB ao longo de 40 anos como prova de “desindustrialização” implicaria concluir que potências industriais como a Alemanha também teriam se “des industrializado”.

Uma outra forma de abordar o problema pode lançar, contudo, nova luz sobre o assunto. Haveria evidência mostrando que a fração brasileira na produção industrial global tem caído de forma sistemática? A resposta, adianto, é negativa.

De fato, o Netherlands Bureau for Economic Policy Analysis (CBP ) divulga mensalmente séries da produção industrial global baseadas numa amostra de países desenvolvidos e emergentes que representam cerca de 97% do comércio internacional. Com base nestes números é possível conferir se o país tem mesmo ficado para trás na corrida industrial.

Antes, porém, há uma questão técnica. Para se chegar a um índice de produção global, é necessário ponderar os índices de cada país da amostra e, para tanto, o CBP utiliza dois conjuntos de pesos: um fundamentado na participação de cada país na produção industrial mundial e outro que se baseia na participação sobre as importações globais. O primeiro é teoricamente melhor, mas mais sujeito a erros de estimação, enquanto o segundo, embora não exatamente correto, produz estimativas menos ambíguas. Como ambos apresentam vantagens e problemas, os cálculos foram feitos com as duas medidas, mas as histórias que ambas contam são semelhantes.


Caso o Brasil estivesse perdendo participação na indústria global, a relação entre a produção brasileira e a mundial deveria estar se reduzindo ao longo do tempo, mas não é isto que observamos. Pelo contrário, a razão construída a partir da estimativa baseada nas importações sugere um ganho modesto, isto é, a indústria local teria crescido mais do que o resto do mundo. Já se utilizarmos a medida baseada nos pesos da produção de cada país, a relação Brasil-Mundo mostra estabilidade, ou seja, a produção local teria crescido em linha com a global. Como os 17 leitores já devem ter concluído, é muito difícil reconciliar esta evidência com a noção de decadência industrial.

Indo mais fundo descobrimos também que o Brasil tem uma atuação muito superior ao dos países desenvolvidos, mas que fica atrás dos chamados emergentes. No entanto, dentro deste grupo, o país só perde mesmo para os asiáticos, tendo crescido mais rápido que latino-americanos e países do Oriente Médio e África, suplantando também, nos últimos anos, o desempenho do Leste Europeu.

Na pior das hipóteses, portanto, o Brasil tem mantido seu peso na produção global e, exceção feita à Ásia, apresentado um crescimento mais forte que o de diferentes grupos de países, a despeito de flutuações de curto prazo, evidência que se soma ao conjunto de dados negando a “desindustrialização”. Caso dados holandeses fossem páreo para as demais substâncias liberadas naquele país, seria o fim da polêmica; infelizmente, porém, não parece ser o caso. Há um psicanalista na plateia?


(Publicado 29/Mai/2010)



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