Economia
Devagar e nunca
Volto à Europa, alertando, porém, que esta coluna é bem mais especulativa que o usual. Ainda não acredito, para ser sincero, que a crise no Velho Continente acabe numa monumental explosão do euro (há muita história em jogo, de modo que, quando a onça europeia for beber San Pellegrino, alguém terá que abrir a carteira), mas pretendo explorar exatamente alternativas possíveis, embora improváveis. Aviso também que algumas das ideias aqui discutidas tiveram origem em material escrito pelo meu coblogueiro, que permanece, a pedido, O Anônimo.
Os 18 leitores já sabem minha posição a respeito da natureza da crise: mais que um problema fiscal (Grécia à parte), interpreto o fenômeno como resultado de uma tensão de difícil solução: a taxa de câmbio real precisa se desvalorizar em certos países, que acumularam elevados déficits externos entre 2000 e 2008, mas, dada a adoção de uma moeda única, a única forma de promover a desvalorização do câmbio, digamos, na Espanha, seria fazer com que preços e salários naquele país caíssem relativamente aos na Alemanha.
Fossem preços e salários flexíveis, sequer estaríamos discutindo uma crise destas proporções; já teriam se ajustado e os problemas de competitividade da Espanha devidamente resolvidos. Como, porém, preços e salários tipicamente se ajustam de forma lenta, em particular quando precisam cair, acaba sendo necessária forte retração da atividade, isto é, um aumento considerável do desemprego e da capacidade ociosa que crie os incentivos para a moderação de salários e preços. Contudo, isto se traduz, por meio de redução das receitas tributárias e expansão cíclica de gastos (como seguro-desemprego), em problemas fiscais.
Se tal visão é correta, em tese a saída da Espanha da Zona do Euro, com conseqüente desvalorização da moeda, teria o condão de resolver o problema de competitividade, evitando a necessidade de elevação aguda do desemprego para realinhar os custos salariais.
Entretanto, mesmo se fosse possível, o abandono do euro teria conseqüências graves para os balanços dos setores privado e público na Espanha. Como continuariam devendo em euros, mas com receitas tipicamente denominadas em pesetas, fortemente desvalorizadas, nem o setor privado, nem o setor público teriam condições de arcar com suas dívidas. Se, operacionalmente, abandonar a moeda única é complicado, financeiramente seria um desastre capaz de ofuscar o ocorrido há cerca de 10 anos na Argentina. (Notem, todavia, que isso também ocorre, mas a velocidade menor, quando o ajuste se dá pela queda de preços na Espanha)
Imaginem, no entanto, que seja a Alemanha quem decida voltar ao marco. O euro, moeda da periferia, se desvalorizaria face à nova moeda, mas, do ponto de vista da Espanha, a recuperação da competitividade não traria os problemas de descasamento entre passivos e receitas acima mencionado.
O descasamento, todavia, não desapareceria; apenas mudaria de endereço. Agora se daria entre ativos denominados em euros (desvalorizados) contra passivos expressos no novo (e poderoso) marco. Os balanços dos bancos alemães em particular teriam de um lado títulos espanhóis em euros e, do outro, depósitos em marco, os primeiros perdendo valor relativamente aos segundos. Ou seja, além de perder competitividade, a Alemanha também teria que enfrentar problemas com balanços privados, o que sugere escasso incentivo para uma solução nesta linha, a menos que tais custos sejam percebidos como inferiores aos que lhe caberiam, enquanto proprietária da carteira acima aludida, para a manutenção da Zona do Euro nos moldes atuais.
Reitero que estes problemas também ocorrerão, ainda que lentamente, se a Europa optar, como parece ser o caso, pela deflação na periferia. Entretanto, dada a velocidade da liderança política, talvez seja a lentidão o principal atrativo desta (falta de) estratégia.
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(Publicado 23/Nov/2011)
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