Economia
2011: uma odisseia europeia
No meu último artigo abordei o problema grego, concluindo que a Grécia parece estar condenada à reestruturação de sua dívida. As medidas de austeridade aprovadas na semana passada e um possível novo financiamento seriam formas de postergar o default, presumivelmente para quando o país finalmente atingisse equilíbrio em suas contas primárias, desobrigado, pois, de emitir nova dívida. Já neste artigo pretendo examinar algumas das prováveis consequências da reestruturação.
O governo grego deve € 326 bilhões (140% do PIB). Como este nível de dívida não é sustentável, é necessário saber qual seria seu valor residual após a renegociação. Tomando como referência o caso argentino, cada credor receberia cerca de 35 centavos por euro, gerando uma perda da ordem de € 210 bilhões. Num caso algo mais favorável, em que a dívida fosse reduzida para 60% do PIB (em torno de 42 centavos por euro) a perda seria da ordem de € 190 bilhões.
Caso o problema se restringisse a tais magnitudes, ainda que elevadas, seria possível argumentar que a reestruturação não nos levaria a nova crise global. De fato, uma perda desse valor causaria grandes danos aos bancos gregos (cuja exposição à dívida nacional é um múltiplo de seu capital), mas estragos bem menores nos demais, que poderiam ser contidos por uma recapitalização de valor razoável.
Adicionalmente, ao contrário da crise de 2008, muito provavelmente a incerteza associada a quem teria sofrido as perdas – que paralisou o crédito no final daquele ano, causando uma queda sincronizada do PIB mundial – seria menor, já que se sabe com maior segurança onde o dano estaria localizado. Neste aspecto seria semelhante ao impacto da crise argentina, que, por mais danosa que tenha sido ao país e seus bancos, teve, em larga medida, alcance apenas nacional.
No entanto, é difícil crer que as conseqüências de uma eventual reestruturação da dívida helena se restrinjam à Grécia. No caso latino-americano o contágio ao Brasil acabou sendo limitado, entre outras coisas, pelo regime de câmbio flutuante, que nos permitiu um ajuste menos doloroso (sem necessidade de deflação), mesmo severamente prejudicado à época pela elevada dívida em moeda estrangeira, que afetou tanto o governo quanto as empresas.
Já na Europa, embora a origem da dívida pública em cada nação possa ser distinta, o diagnóstico é muito parecido. São países pesadamente endividados que precisam melhorar significativamente suas contas fiscais, mas enfrentam um contexto recessivo relacionado à necessidade de desvalorizar da taxa de câmbio real pela redução dos preços domésticos, ao invés da depreciação da taxa de câmbio nominal, por força da adoção da moeda única.
Esta dinâmica comum aos países periféricos europeus sugere que há uma probabilidade elevada de contágio, isto é, a percepção de um default grego seria apenas o prenúncio de novas rodadas de reestruturação. Neste caso, a magnitude das perdas seria bem maior do que a indicada acima e, consequentemente, também o seria o risco de nova crise.
Esta percepção se agravaria caso a Grécia, simultaneamente à reestruturação, abandonasse o euro. Embora seja difícil imaginar como se daria esta transição (que ainda vejo como cenário menos provável), a saída de um país poderia abrir a porteira para os que enfrentam problemas semelhantes.
Em suma, o problema não é a Grécia em si, mas as implicações que seu eventual default teriam para o futuro da periferia europeia e para a próprio sobrevivência do euro, ao menos em sua forma atual.
Dadas tais perspectivas continuo surpreso com a falta do senso de urgência das autoridades. Uma grande reforma – provavelmente envolvendo a criação de uma dívida europeia, que permitiria solução similar à aplicada aos estados brasileiros – é necessária, mas a liderança para realizá-la continua ausente.
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