Desindustrialização ou lobby?
Economia

Desindustrialização ou lobby?



Recebi do grupo Economia Política o artigo que o João Luiz Maud publicou no O GLOBO de 26.03.2012.

Alguém já disse: torture os números e eles confessarão qualquer coisa. De fato, as estatísticas são, hoje em dia, as grandes aliadas dos mistificadores, que as utilizam de forma indiscriminada para dar aparência científica às falácias e mentiras em prol de suas causas. Você pode desenvolver rígida argumentação lógica a respeito de um assunto sem convencer muita gente, mas basta acrescentar alguns números, tabelas e gráficos para respaldá-la e as pessoas passam a olhar os seus argumentos com outros olhos.

Um exemplo gritante disso apareceu na “Folha de S.Paulo”, de 9 de março. Nesse dia, uma matéria naquele diário informava – sob o título “Participação da indústria no PIB recua aos anos JK” – que “a participação da indústria no PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro recuou aos níveis de 1956, quando a indústria respondeu por 13,8% do PIB. De lá para cá, a indústria se diversificou, mas seu peso relativo diminuiu. O auge da contribuição da indústria para a geração de riquezas no país ocorreu em 1985: 27,2% do PIB. Desde então, tem caído.”

Malgrado o título bombástico, até aqui a matéria é meramente informativa e apenas noticia um fato que as estatísticas a respeito desvendam. Seu uso oportunista só fica claro a partir do ponto em que se começa a apontar eventuais causas para um suposto problema. Assim, depois da introdução, entra em cena o senhor Paulo Skaf, que vem a ser o presidente da Fiesp. Eis o que diz o valente: “Temos energia cara, spreads bancários dos maiores do mundo, câmbio valorizado, custo tributário enorme e uma importação maciça. A queda da indústria no PIB é a prova do processo de desindustrialização.”

Exceto pelo exagero de afirmar que há no Brasil – um dos países mais protecionistas do mundo – volumes de importação maciços, quase tudo o que ele diz, fora a conclusão, é a mais pura verdade. O problema é que temos ali várias verdades sendo ditas com o propósito de retirar delas conclusões absolutamente falsas.

Primeiro, a maioria dos entraves listados por Skaf, além de outros tantos integrantes daquilo que se convencionou chamar de Custo Brasil, não prejudicam somente a indústria, mas todos os setores da economia. Segundo, se a queda da participação relativa do setor manufatureiro no PIB é prova da famigerada desindustrialização, então o que temos hoje é uma desindustrialização mundial.

De acordo com dados compilados pelas Nações Unidas, a queda da participação do setor de manufaturas no PIB é um fenômeno global, a exemplo do que já ocorrera anteriormente com a agricultura. Assim, de 1970 a 2010 esta queda foi de 24,5% para 13,5% no Brasil, de 22% para 13% nos EUA, de 19% para 10,5% no Canadá, de 31,5% para 18,7% na Alemanha e de 27% para 16% no mundo inteiro. A causa dessa queda generalizada não está, evidentemente, numa suposta desindustrialização, mas no aumento da participação de outros setores, antes irrisórios, como serviços em geral, comércio, finanças, saúde, educação, ciência e tecnologia etc. A verdade é que a produção total da indústria no mundo, se não está no seu pico, está muito perto dele. Já a produção industrial brasileira é certamente muito maior hoje, em termos absolutos, do que era em 1985, ano em que, segundo a matéria, o setor manufatureiro alcançou a sua maior participação relativa no PIB.

Desindustrialização e Doença Holandesa são duas expressões caras aos lobbistas da indústria local. Uma rápida pesquisa com essas palavras no Google mostra diversos estudos e trabalhos “científicos” a respeito, repletos de gráficos e tabelas, a maioria deles patrocinada por entidades como Fiesp, CNI e congêneres. Esse é também um importante nicho do pensamento nacionalista e intervencionista, utilizado amiúde para defender interesses, vantagens e privilégios diversos junto ao governo. Os pleitos desse pessoal não costumam variar muito. Seus alvos prioritários são as ditas políticas industriais (geralmente baseadas em subsídios e isenções fiscais) e protecionistas, leia-se: controles cambiais e barreiras alfandegárias/tarifárias.

O argumento aparente é quase sempre a criação e manutenção de empregos domésticos, mas a real intenção é a transferência de renda de consumidores para produtores ineficientes. Para que a estratégia seja 100% eficaz, a manipulação da opinião pública e o consequente respaldo político são essenciais, é claro.





loading...

- Amargo Regresso
Sim, sou obsessivo, mas nem eu gosto tanto assim de revisitar temas sobre que escrevi repetidas vezes e apresentar argumentos já vistos à exaustão. Porém, como o tema da “desindustrialização” teima em voltar a cada fraquejada da produção manufatureira...

- Doença Holandesa X Evidência Holandesa
A persistência dos nossos keynesianos de quermesse em tentar demonstrar a inexorável destruição da indústria brasileira merece um estudo sociológico. Eu, mero economista, não consigo entender como ainda exista quem defenda tenazmente uma tese que...

- Desindustrialização: O Que Fazer?
Li esta matéria na FOLHA de hoje e recordei logo do Professor Carlos Pio e a sua crítica ao modelo protecionista a determinados setores da economia. E como ficam os setores aparentemente mais fracos?   Depois de se dedicar a debates como...

- Emprego Na Indústria: Sinais De Aceleração Na Desindustrialização? - Frederico Matias Bacic
Acima podemos ver o gráfico referente a criação de vagas na indústria, desde o primeiro trimestre de 2009, até o final do segundo trimestre de 2012. Para melhor compreensão dos dados, podemos visualizar a tabela com as informações do gráfico...

- Desindustrialização Continua
Fatia da indústria no PIB cai para 14% Diretor de Pesquisas da Fiesp diz que participação deve cair de 14,6% para 14% este ano, o que seria um sinal de desindustrialização WLADIMIR ANDRADE - O Estado de S.Paulo A indústria de transformação...



Economia








.