A demanda global dos papéis de vencimento em 30 dias, com relação ao nível de corte do Fed, foi de 5,3 vezes (para cada US$ 1 bilhão vendidos apresentaram-se potenciais compradores de US$ 5,3 bilhões). Nas quatro semanas de julho o Fed vendeu US$ 102 bilhões de papéis com vencimento de 30 dias. As demandas sempre foram mais do que 4,5 vezes o montante vendido, com taxa de juro media inferior a 0,06%. No mesmo mês, o Fed colocou mais de US$ 330 bilhões de papéis com vencimentos entre 30 e 720 dias (contra uma demanda superior a US$ 1,2 trilhão) com suas respectivas taxas de juros praticamente inalteradas.
Esses números não parecem revelar qualquer angústia maior do "mercado" da dívida pública com a possibilidade de um "default". Talvez porque esse seria o primeiro da gloriosa história da dívida interna americana desde que Hamilton, inteligentemente, decidiu honrar as dívidas das colônias após a conquista da independência. Não foi sem razão que o dólar transformou-se, depois da Segunda Guerra, na unidade de conta com poder liberatório e reserva de valor universais, e que os papéis do Tesouro dos EUA são a única aplicação com risco nulo. Isso ajuda a explicar porque a economia americana transformou-se no que é.
Essa é a maior demonstração que não se trata de um problema sobre a capacidade ou a eventual incapacidade de os EUA honrarem a sua dívida ou de continuarem a encontrar compradores para seus papéis a taxa de juros praticamente nula (de fato negativas). O Tesouro americano não enfrenta questão de solvência e, por definição (porque emitem a moeda de poder liberatório universal), muito menos de liquidez!
O único problema do Tesouro americano é o estabelecimento de um teto legal de endividamento nominal, que já foi alterado muitas vezes quando preciso. Em condições normais de pressão e temperatura isso tem sido feito sem grande celeuma, uma vez que o teto é corroído pelo próprio processo inflacionário e pelo crescimento do Produto Interno Bruto, o que mostra a irracionalidade institucional.
Irracionalidade? Muito pelo contrário! É apenas mais uma das medidas "racionais" do Congresso americano para controlar o Poder Executivo. O risco é que em condições especiais: 1) quase equilíbrio entre a representação republicana e democrática no Congresso; 2) uma situação de crise econômica muito mal resolvida; 3) uma política econômica fortemente contestada porque protegeu Wall Street à custa da Main Street; e 4) às vésperas de uma eleição presidencial, esse poder - por pura ignorância das consequências - tornar-se uma arma de destruição em massa.
Quando o poder está em jogo, a irracionalidade econômica pode ter racionalidade política e a insensatez tem sua chance! Mas, felizmente, ainda não foi agora que aconteceu.
Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento.