Algumas notas sobre o debate de há pouco na RTP1 ("Prós e Contras") sobre as Autarquias Locais: Paulo Morais - excelente intervenção na denúncia dos mecanismos de corrupção nas Câmaras através das relações perversas geridas pelas máquinas partidárias; disse que frequentemente as forças partidárias actuam como bandos que assaltam as autarquias; salientou o mecanismo de escolha dos candidatos para as eleições locais como estando submetido ao critério prévio do subjugamento ao "facilitismo" e corrupção; não explicou tão bem a suspeita de que só agora denunciou estas situações por ter ficado de fora das listas, mas aludiu a que o teria feito no interior da máquina partidária, sendo por isso eliminado das listas (é o problema do ovo ou da galinha). Maria José Morgado - para além de Paulo Morais, a única interveniente que verdadeiramente se centrou no problema da corrupção como sistema, e na corrupção das autarquias locais como tendo natureza endémica; respondeu bem ao desafio idiota de Fernando Ruas (do tipo: "ou aponta nomes ou cala-se") frisando que não se estava em tribunal mas sim num debate público; revelou a gravidade das investigações em curso; salientou que a resolução do problema não pode estar apenas no sistema policial; foi veemente, mas talvez não muito clara em algumas questões. António Nogueira Leite - o melhor interveniente, que mais pontos esclareceu e que foi mais claro na exposição; disse muito bem que quem viaja de Norte a Sul do país e observa os atentados urbanísticos só pode optar por uma de duas explicações: ou foram eleitos idiotas para as Câmaras, ou haverá algum problema maior (subentende-se: corrupção); referiu que existe um certo facilitismo em toda a sociedade e deu como exemplo a fuga à Sisa; explicou que uma das causas porque pessoas competentes não aceitam cargos públicos é a exposição e enxovalhamento (dando como exemplo os ministros das Finanças); denunciou as empresas públicas como mecanismos de desorçamentação e de fuga a vários controlos da despesa pública; revelou que o actual sistema de financiamento não permite ao eleitor distinguir, entre os autarcas que realizam obra, aqueles que delapidam as finanças e comprometem as gerações seguintes, dos que fazem uma gestão financeira responsável e sustentável. Joaquim Ferreira do Amaral - Uma das piores intervenções; ajudou a ocultar a raíz dos problemas apontando sempre a complexidade da legislação como a principal culpada da corrupção: uma boa ajuda que deu a Fernando Ruas; desdramatizou o problema dizendo que já esteve pior (por exemplo, o financiamento dos partidos), e também que era um problema que demoraria muito tempo a solucionar (ou seja: para se ir resolvendo...). Papel semelhante desempenhou um tal Rebordão Navarro, que foi buscar exemplos caricatos (o Ministério da Defesa é que licencia os vendedores de gelados nas praias...) para desviar o foco do assunto em discussão; (tudo estratégias de minimização de danos). Ferreira do Amaral exprimiu ainda a opinião de que se devia acabar com a figura das empresas públicas - para um gestor público, não está mal. Fernando Ruas - tentou a todo o transe o branqueamento da corrupção nas autarquias; usou sistematicamente o argumento de que só se devia falar em corrupção quando se podem apontar nomes (regra que, a ser aplicada, impediria a discussão; mas ele própoprio falou de perversidades nos contratos-programa entre governo e certas autarquias sem citar nomes); salientou os escassos casos de condenação efectiva de autarcas; admitiu que os presidentes das Câmaras criam empresas municipais para aproveitar a maior "agilidade" na realização de despesas, mas disse que a culpa era de quem fizera a lei. Entrou em contradição dizendo que as próprias Câmaras pedem mais fiscalização, e, noutro ponto, que as Câmaras são os organismos mais fiscalizados. Fátima Campos Ferreira - também esteve bem, conduzindo o debate com vivacidade e frisando a perversidade do mecanismo de corrupçaõ, centrado nos partidos e no seu financiamento, impedidndo reformas e leis que o corrijam. Um comentário final: quando um organismo tem uma doença grave, isso não significa que todas as suas células e órgãos estejam doentes; pode até ser uma minoria, mas a gravidade da situação pode colocar em perigo de vida o próprio organismo; analogamente, dizer que "haverá alguns autarcas corruptos mas há muitos mais honestos e por isso é injusto generalizar", ou que "não se deve falar a não ser de casos específicos de que se podem apontar culpados", ilude a gravidade deste problema: um problema que mina um órgão central da democracia - o sistema partidário e eleitoral - pondo em causa a sua capacidade de auto-correcção e sustentabilidade. |