A situação era relatada no Diário do Minho do passado dia 29 de Novembro, tendo mesmo ganho o estatuto de manchete dessa edição. Sob o título “
Banco financia luxos a família que passa fome”, podia ler-se que “
o banco Credibom atribuiu um empréstimo de 4 mil e 500 euros para uma família de Braga comprar uma cama de vibromassagem. Composto por três pessoas, o agregado familiar tinha na altura do financiamento um rendimento mensal de 370 euros. A viver na miséria e a passar fome, não pagou mais do que a primeira das 60 prestações mensais previstas no contrato que afirma ter-lhe sido imposto por uma empresa do Porto. A instituição bancária ameaça agora com um processo de execução”.
O desenvolvimento da notícia causava ainda mais perplexidades ao cidadão menos atento a este tipo de fenómenos: a compra ocorrera sob a forte pressão dos comerciais de uma empresa de venda especializada deste tipo de bens, a qual garantira automaticamente o acesso ao crédito em questão e a respectiva celebração do contrato.
Apesar de tentar devolver o produto inúmeras vezes e assim rescindir o contrato, a família entrou em incumprimento e viu-se confrontada com uma acção judicial por parte da instituição bancária, que agora ameaça com a penhora dos parcos bens que possui.
Apesar da singularidade da história, este tipo de situações está longe de ser um caso isolado, proliferando inúmeras ocorrências em que os particulares são induzidos à contracção de empréstimos muito acima das suas reais capacidades de endividamento.
É óbvio que não se pode entrar em generalizações, nem muito menos apontar o dedo exclusivamente a uma das partes, uma vez que a situação a que o nosso País chegou nesta matéria resulta de contributos significativos de todos os envolvidos.
Passados os tempos em que empresas e particulares até se sentiam “envergonhados” de terem de recorrer ao crédito alheio, o recurso ao financiamento bancário passou da natural e legítima forma de alavancar investimentos ou antecipar aquisições de bens prioritários, para o expediente corrente que sustenta inúmeras existências acima das reais capacidades dos indivíduos e organizações.
Segundo dados coligidos pelo Jornal de Notícias, dois terços dos endividados têm mais de três créditos e 5% têm mais de 10, nalguns casos numa cascata de financiamentos sucessivos.
Para tal, há que contar com a óbvia complacência das instituições de crédito, as quais deram cobertura a essas práticas económica e socialmente irresponsáveis, quando não as estimularam, através de todo o tipo de campanhas promocionais, nalguns casos bastante agressivas.
Neste âmbito, quem nunca recebeu correspondência ou contactos telefónicos em que lhe era garantida a pré-aprovação de financiamentos que jamais solicitou? Quantos dos leitores desta coluna nunca receberam um “cheque” com o montante disponibilizado pela sua instituição bancária, com vista à contracção de um crédito para fins indeterminados?
Por acréscimo, a situação que hoje se vive é naturalmente resultado da passividade dos organismos de regulação em relação a este tipo de práticas e dos estímulos que o próprio discurso facilitista de diferentes Governos incutiu nas práticas de consumo e endividamento dos portugueses.
A conjugação de todos estes factores está bem expressa nas diferentes estatísticas do Banco de Portugal: os particulares têm uma taxa de endividamento que corresponde a cerca de 120% do seu rendimento disponível ou que equivalia, em 2007, a 91% do PIB português.
A este nível, Portugal apenas se encontrava atrás da Holanda (que tinha já em 2006 um endividamento superior a 120% do PIB), posicionando-se muito acima da média dos Países da Zona Euro (que atingiam um endividamento de 59% do PIB). Em Espanha, chegava-se aos 80% do PIB, mas na Grécia ou Itália, o endividamento dos particulares não ultrapassava os 41% ou 32% do PIB, respectivamente.
A esta luz, embora o Inquérito do Banco de Portugal aos Bancos sobre o Mercado de Crédito do passado mês de Outubro sugerisse já que “
os critérios de concessão de empréstimos ao sector privado não financeiro tornaram-se mais restritivos no terceiro trimestre de 2008, face ao trimestre anterior, em todos os segmentos considerados”, em função do “
aumento do custo de financiamento e restrições de balanço dos bancos, em conjunto com a deterioração dos riscos apercebidos pelas instituições inquiridas”, talvez não seja descabida a iniciativa de introdução de regras sobre a publicidade a produtos de crédito que poderá vir a público até ao final do ano.
É que, apesar de todas essas condicionantes, não se vislumbra um significativo abrandamento das estratégias de colocação de crédito junto de particulares, ao mesmo tempo que a drástica descida de juros pode voltar a aumentar a apetência dos consumidores.
Ou isso ou a introdução de regras que determinem que casos como o exposto pelo Diário do Minho teriam que redundar na perda do valor ao crédito concedido por parte da instituição bancária em questão.
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