"Criatividade é desenvolvimento" é o título da crónica de Vítor Balenciano no jornal Público de hoje. Todo o texto gira em torno das ideias do economista Richard Florida, autor do livro "The Rise of the Creative Class", de 2002. Ali se apresenta a "teoria dos três tês": tolerância - tecnologia - talento - e se defende que "a criatividade é a base do progresso social e económico", devendo ser considerada "um bem público, ao nível da liberdade e segurança". Até aqui tudo bem: apesar da "criatividade" não ter o "T" como letra inicial, tudo isto está mais ou menos dentro do discurso dominante, propagado tanto por ecologistas fanáticos como por dinossauros políticos. O que já sai da norma é a seguinte afirmação de R. Florida, que eu até tomo a liberdade de salientar numa caixinha: |
«Uma cidade ou região sem uma cena musical vibrante e sem uma comunidade 'gay' florescente está condenada ao declínio social e económico.»
Mamma mia ! Condenada ao declínio social e económico? E logo agora que as nossas cidades acabaram de recusar políticos (Carrilho em Lisboa, Soares em Sintra) que prometiam corporizar tais ideais? Vou tentar manter a calma e raciocinar logicamente. É evidente que existem capacidades diferentes em diferentes grupos sociais (raciais ou outros). Não se pode negar a elevada concentração de inteligência racional nos judeus ashkenasi, nem capacidades superiores para as corridas de fundo em atletas de certas zonas de África. Apesar destas evidências, existe um preconceito "igualitário" que rejeita a priori qualquer tipo de diferenciações; tal preconceito é capaz de ter origem numa reacção às teses da raça superior desenvolvidas (e praticadas) pelos nazis, e também numa reacção à apologia e prática da escravatura feitas em nome da "superioridade" da raça branca. Ainda recentemente, um estudo universitário que detectou alguma superioridade dos indianos relativamente ao raciocínio matemático desencadeou uma forte reacção da academia americana. Não interessava se o estudo tinha base científica: qualquer "superioridade" era simplesmente inaceitável. Mas não nos devemos deixar cegar por tais preconceitos. Aceitar diferenças não significa aprovar o nazismo ou a escravatura. É bom que mantenhamos as mentes abertas. Felizmente que o ser humano é suficientemente complexo para que estas possíveis superioridades em certos grupos humanos, relativamente a algumas características, não os transformam em seres humanos superiores, ou super-homens, melhor dotados paga governar ou "proteger" os restantes. Sendo assim, voltemos à afirmação de Florida. Será a cena musical especialmente vocacionada para a tolerância, tecnologia ou talento, ou comunidade 'gay' especialmente dotada para a criatividade? Florida, que tem sido acusado nos de "colocar em causa os valores tradicionais americanos", esclarece que não é bem isso: "uma comunidade 'gay' com capacidade de afirmação, uma cena musical excitante, políticas integracionistas ou agendas sociais criativas, são indicadores de tolerância. São sinais que indiciam estarmos num lugar apto para integrar a diferença." Ou seja: são as cidades tolerantes, abertas à diversidade, seja na música, nas artes, na tecnologia ou na economia, que atraem os indivíduos com potencial criativo, capazes de arriscarem novas ideias. Portanto, "cenas musicais vibrantes" e "comunidades 'gay' florescentes" seriam mais a consequência, e não tanto a causa. Devo confessar que o argumento, apesar de lógico, me parece estranho. Talvez seja o mesmo preconceito da geração pós-II Grande Guerra que me apanhou nalguma curva das circunvoluções cerebrais. O que está em moda, como é sabido, é associar a criatividade e a inovação à educação e ao investimento em investigação. É também isto que me parece "mais normal". Mas, quem sabe, talvez esta seja uma agenda muito limitada. Garantidamente, é a opção mais cara: a educação e a investigação são verdadeiramente dispendiosas e qualquer dinheiro que para aí canalizemos acabará por faltar noutro lado qualquer. Seria talvez mais fácil, e mais barato, se a chave do desenvolvimento (de uma cidade, de um país) estivesse na criação de "uma cena musical vibrante e uma comunidade 'gay' florescente". Já nos enganámos uma vez, investindo em infraestruturas de saneamento e rodoviárias e em equipamentos, para depois descobrir que a prioridade deveria ter sido dada à educação e à investigação. Agora parece que já percebemos isso. Espero bem é que daqui a algum tempo não nos venham dizer que não era bem por aí: era antes via "cenas musicais vibrantes" e "comunidades 'gay' florescentes". No seu livro, Richard Florida diz que "A chave para o crescimento económico não reside apenas na capacidade para atrair uma classe criativa, mas em transformar essa vantagem subjacente em resultados económicos criativos sob a forma de novas ideias, novos negócios tecnologicamente avançados e crescimento regional." Para melhor detectar estas capacidades Florida criou um novo índice a que designou o "Índice de Criatividade":
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