Economia
Como criar uma depressão.
Martin Feldstein é professor de economia em Harvard, foi presidente do Conselho de Assessores Econômicos do ex-presidente dos Estados Unidos Ronald Reagan e foi presidente do Gabinete Nacional de Análises Econômicas dos EUA. Copyright: Project Syndicate, 2012. Este artigo foi publicado hoje no VALOR ECONÔMICO.
Os líderes
políticos europeus podem estar prestes a acertar um plano fiscal que pode levar
a uma grande depressão, se for colocado em prática. Para entender por que vale
a pena comparar como os países europeus reagiram a declínios na demanda antes e
depois do euro.
Vejamos como a
França, por exemplo, teria reagido a um declínio substancial na demanda por
suas exportações nos anos 90. Se não houvesse resposta do governo, a produção e
o emprego recuariam. Para evitar isso, o Banco da França reduziria os juros.
Além disso, a queda nas entradas automaticamente reduziria a arrecadação
tributária e aumentaria vários "pagamentos de transferência"
governamentais. O governo poderia suplementar esses "estabilizadores
automáticos" com novos investimentos ou com a queda dos impostos,
aumentando ainda mais o déficit fiscal.
Além disso, a queda
na demanda pelas exportações francesas automaticamente levaria ao declínio do
valor do franco em relação às outras moedas, sendo que a redução das taxas de
juros também desvalorizaria a divisa francesa. Essa combinação de mudanças
monetárias, fiscais e de câmbio estimularia a produção e o emprego, evitando
uma alta significativa do desemprego.
Quando a França
adotou o euro, contudo, dois desses canais de reação foram fechados. A moeda
deixou de poder desvalorizar-se em relação a outras divisas da região do euro.
A taxa de juros na França - e em todos os outros países do euro - agora é
determinada pelo Banco Central Europeu (BCE), com base nas condições da demanda
dentro da união monetária como um todo. Portanto, a única política anticíclica
disponível na França é a fiscal: reduzir a arrecadação com impostos e aumentar
os gastos.
Embora essa
resposta implique em um déficit orçamentário maior, os estabilizadores fiscais
automáticos são particularmente importantes agora que os países da região do
euro não podem usar a política monetária para estabilizar a demanda. A falta de
ferramentas monetárias, aliada à ausência de ajustes na taxa de câmbio, também
poderia justificar alguns cortes cíclicos de impostos e aumentos nos gastos.
Infelizmente,
muitos países da região do euro permitiram que os déficits fiscais subissem nos
bons momentos econômicos, em vez de permiti-lo apenas quando a demanda estava
fraca. Em outras palavras, a dívida nacional desses países cresceu alimentada
por déficits orçamentários tanto "estruturais" como
"cíclicos".
Os déficits
orçamentários estruturais foram alimentados nos últimos dez anos pela
surpreendente falta de reação das taxas de juros da região do euro às diferenças
nacionais na política fiscal e nível de endividamento. Como os mercados
financeiros deixaram de ver diferenças de risco entre os países da região do
euro, as taxas de juros dos bônus soberanos não refletiram o excesso de
endividamento. A moeda única também impediu que a taxa de câmbio pudesse
sinalizar diferenças de extravagância fiscal.
A confissão da
Grécia em 2010, de que havia subestimado significativamente seu déficit fiscal,
foi um alerta para os mercados financeiros, o que levou ao aumento substancial
dos juros dos títulos de dívidas soberanos em muitos países do euro.
O encontro de
cúpula da União Europeia, em Bruxelas, no início de dezembro tinha como
objetivo evitar uma acumulação de dívidas desse tipo no futuro. Os chefes de
governo dos países-membros concordaram em limitar os déficits fiscais
"estruturais" a 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB), com a imposição
de penas aos países cujos déficits fiscais totais superem os 3% do PIB - um
limite que incluiria tanto o déficit fiscal como o estrutural, o que, portanto,
restringiria o déficit cíclico a, na prática, 3% do PIB.
Negociadores agora
trabalham os detalhes para o próximo encontro, no fim de janeiro. Uma parte
importante do acordo sobre os déficits em dezembro é que os países podem ter
déficits cíclicos superiores a 0,5% do PIB - uma ferramenta importante para
compensar declínios na demanda. Não está claro se as penas para os déficits
totais que superarem os 3% do PIB seriam dolorosas o suficiente para os países
preferirem não promover aumentos nos estímulos fiscais anticíclicos.
Preocupante é a
reclamação formal do BCE de que as regras propostas não são duras o suficiente.
Jorg Asmussen, importante membro da comissão executiva do BCE, escreveu aos
negociadores que os países deveriam ter permissão para exceder o limite de
déficit de 0,5% do PIB apenas em tempos de "catástrofes naturais e
situações de emergência grave" fora do controle dos governos.
Se esse texto for
adotado, eliminaria os ajustes fiscais cíclicos automáticos, o que levaria uma
espiral negativa da demanda e a uma grave depressão. Se, por exemplo, as
condições no resto do mundo causarem um declínio na demanda por exportações
francesas, a produção e o emprego na França cairiam. Isso reduziria a
arrecadação com impostos e aumentaria os pagamentos de transferência,
facilmente levando o déficit fiscal para mais de 0,5% do PIB.
Para acabar com o
déficit cíclico, a França teria de elevar tributos e cortar gastos públicos.
Isso reduziria ainda mais a demanda, provocando mais declínios na arrecadação e
novos aumentos nas transferências - e, portanto, traria um déficit fiscal ainda
maior, exigindo maior aperto fiscal. Não está claro o que acabaria com essa
espiral negativa de aperto fiscal e queda na atividade.
Se adotada, essa
proposta poderia produzir índices de desemprego muito altos - em resumo,
produziria uma depressão.
Seria muito mais
sensato concentrar-se na diferença entre déficits estruturais e cíclicos e
permitir déficits que sejam resultantes de estabilizadores automáticos. O BCE
deveria ser o árbitro dessa distinção, publicando estimativas de déficits
estruturais e cíclicos.
Itália, Espanha e
França têm déficits superiores a 3% do PIB, mas não são déficits estruturais.
Os mercados financeiros estariam mais bem informados e confiantes se o BCE
indicasse o tamanho dos déficits estruturais reais e mostrasse como atualmente estão
em queda. Para os investidores, essa é a característica essencial da solvência
fiscal.
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