BANSOL: uma nova experiência em finanças solidárias
Economia

BANSOL: uma nova experiência em finanças solidárias



Revista Bahia Análise & Dados


Nilton Vasconcelos

Introdução

Este texto tem como objetivo registrar o surgimento de uma experiência de finanças solidárias que, embora embrionária, merece ser destacada por suas peculiaridades face a outras experiências do gênero.

O BanSol - Associação de Finanças Solidárias surgiu e está sendo construído a partir da Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia (UFBA), em parceria com outras duas instituições universitárias, uma pública estadual - a Universidade do Estado da Bahia (UNEB), através da Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares (ITCP), e uma instituição privada – a Universidade Salvador (Unifacs).

A constituição do Ecosol-Bahia, grupo de estudos sobre Economia Solidária integrado por professores da UFBA e Unifacs, com o objetivo de estimular o desenvolvimento desta área de conhecimento no estado, criou um campo propício ao aparecimento do BanSol. Não se trata, evidentemente, de um banco no sentido estrito do termo, ou mesmo uma instituição de microcrédito nas modalidades previstas pela legislação federal, mas uma organização com características inovadoras.

Embora faltasse experiência sobre iniciativas em finanças solidárias aos envolvidos no processo – professores, estudantes e outros profissionais, o BanSol evoluiu a partir de uma idéia simples até uma proposta razoavelmente elaborada e estruturada.

Este texto tem, assim, um duplo propósito: relatar os procedimentos que envolveram a criação e construção do BanSol – sem o que torna-se difícil compreender a extensão da proposta, e destacar, ainda, os conceitos básicos que a sustentam, ajudando a esclarecer a especificidade da experiência.

Como poderá ser observado, apesar da sua precocidade e falta de resultados quanto a aspectos fundamentais dos seus objetivos finais, o BanSol já produziu resultados parciais satisfatórios, e justifica o presente artigo.

Antes, porém, de tratarmos especificamente da iniciativa, faremos uma breve abordagem sobre as finanças solidárias como campo específico da economia solidária.

Finanças solidárias

Singer (2002), retoma as origens das práticas de ajuda mútua entre parentes e amigos para associar finança e confiança. O empréstimo de bens e dinheiro surge como atitude de reciprocidade entre aqueles que enfrentam necessidades periódicas. O crescente domínio das instituições financeiras sobre este campo, entretanto, tornou o crédito cada vez mais caro e de acesso restrito, estimulando, com o agravamento da crise econômica, a retomada de práticas solidárias.

França (2001), ao discutir novos arranjos organizacionais possíveis, nos marcos da economia solidária, analisa uma tipologia a partir da experiência francesa reunindo quatro universos entre os quais o da “finança solidária”. Destaca, ainda, que este termo engloba iniciativas com diferentes denominações: microcrédito, poupança solidária, microfinança, finança de proximidade, que de um modo ou de outro “participam de um outro tipo de relação com o dinheiro”. Ou seja, de uma relação que foge das características do mercado financeiro, por democratizar o acesso ao crédito para aqueles que buscam viabilizar empreendimentos ligados à ocupação e geração de renda para os seus integrantes. Mas, além disto, ressalta França (2001) há uma preocupação com a utilidade social do investimento:

“Tratam-se assim, com estas experiências, de afirmação de uma finalidade de aplicação ética do dinheiro na direção daqueles projetos articulando por exemplo um trabalho de luta contra a exclusão, de preservação ambiental, de ação cultural, de desenvolvimento local, etc.” (França, 2001:131)

Portanto, a idéia de facilitar o acesso ao crédito está intimamente ligada às finalidades, enfim, à destinação dos recursos, devendo-se observar o caráter ético e social do empreendimento apoiado.

O fornecimento de crédito para populações economicamente carentes para geração de ocupação e renda tem na experiência do Grameen Bank de Bangladesh uma referência essencial. O sucesso daquela iniciativa, que envolve atualmente mais de 2,3 milhões de mutuários, chamou a atenção de todo o mundo e fez multiplicar outros bancos e associações de crédito cooperativo de natureza semelhante. Vinte e cinco anos antes o professor universitário Muhammad Yunus, idealizador da proposta começou com quarenta e dois empréstimos de 27 dólares – um valor irrisório mas de grande impacto para gente muito pobre.

Na América Latina, o Bancosol da Bolívia é, provavelmente, o mais exitoso exemplo de fornecimento de microcrédito com grande impacto econômico sobre a renda dos tomadores de empréstimo, muito embora sua relação com as instituições financeiras tradicionais configurem uma tipologia diferenciada daquela iniciada em Bangladesh. O crescimento deste campo deu margem à denominada “indústria do microcrédito” sujeita a uma série de problemas típicos deste mercado. As grandes instituições financeiras vêem, assim, um segmento de mercado com grande potencial, aos quais não tem tido acesso, o que poderia se viabilizar através de acordos com organizações não governamentais.

Deste modo, os bancos centrais de diversos países começam a estabelecer regras sobre o funcionamento destes empreendimentos, restringindo o seu número e ampliando a regulação sobre a atividade, em função das dificuldades operacionais em realizar a fiscalização do setor (Passos e outros, 2002).

No Brasil segundo pesquisa do Instituto Brasileiro de Administração Municipal, existiam, em 2000, 110 instituições de microfinanças em atuação (Ibam, 2001). Entre estas podemos destacar: o Portosol, a rede Ceape, Banco da Mulher, Bancos do Povo, Banco do Nordeste, correspondendo a variados modelos de fornecimento de microcrédito. Boa parte são iniciativas estatais ou com participação de governos municipais e estaduais, outros tantos se viabilizam a partir de associações com o sistema financeiro privado ou repasses de recursos federais destinados ao microcrédito. Na Bahia, estão presentes o Banco da Mulher, o Ceape, Ceade (Centro Ecumênico de Apoio ao Desenvolvimento), Visão Mundial, IDES (Oscip), ICC Conquista Solidária (ligado à Prefeitura de Vitória da Conquista).

Entre as experiências brasileiras não governamentais, uma merece destaque – o Banco de Palmas, em Fortaleza – por se vincular a uma lógica de desenvolvimento local associando a finança ao comércio justo e outras práticas solidárias.

Em geral, entretanto, a vinculação à lógica convencional de mercado, de remuneração do dinheiro e de responder aos custos operacionais, tem determinado a prática de taxas elevadas de juros, encarecendo o crédito acima, inclusive, das taxas médias, tornando alto o custo do dinheiro para quem mais precisa dele para sobreviver.

O BanSol nasce com a perspectiva de articular a atividade acadêmica de ensino, pesquisa e extensão ao microcrédito para empreendimentos solidários, desenvolvendo conceitos e instrumentos de gestão social.

O BanSol

Para atender aos objetivos específicos deste artigo, de descrever os procedimentos adotados na construção do BanSol e apresentar os conceitos desenvolvidos, far-se-á um relato cronológico abrangendo a primeira fase, de construção conceitual da experiência.

A idéia de organizar um banco solidário, ou seja, uma instituição que fornecesse crédito barato para empreendimentos solidários surgiu com um objetivo bem determinado: participar de uma premiação, o Prêmio Fenead, até então organizado anualmente, por uma entidade denominada Federação Nacional dos Estudantes de Administração. O regimento do concurso estabelecia critérios específicos para a participação de estudantes e professores nos projetos, bem como, a explicitação de objetivos, indicação de viabilidade econômica, participação comunitária, entre outros. A proposta básica consistia em transformar o valor monetário da premiação – que poderia chegar a até R$20.000,00 (vinte mil reais) – em recurso financeiro a ser emprestado a empreendimentos solidários.

A esta época o grupo de professores da Escola de Administração da UFBA – Eaufba e do Mestrado de Análise Regional da Unifacs, ministrava uma disciplina em curso de especialização, articulando modelos participativos em ação comunitária e os conceitos de Economia Solidária. O contato com esta temática e com organizações populares que buscavam desenvolver atividades econômicas, especialmente na forma de cooperativas, possibilitou a identificação da imensa dificuldade por elas enfrentada, exatamente por não ter acesso aos recursos necessários à realização dos investimentos.

Rapidamente, a idéia conquistou inúmeros adeptos entre professores, estudantes e profissionais de alguma forma ligados à Eaufba. A Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares da Uneb (2), por sua atuação no apoio a várias iniciativas econômicas de grupos de moradores de bairros populares, na capital e no interior do Estado, logo se interessou em integrar o projeto que se começava.

Método participativo

Um primeiro registro importante a fazer é quanto ao processo de elaboração da proposta. Optou-se por não estabelecer limites quanto ao número de participantes da equipe, esforçando-se os idealizadores em estimular novas adesões. Em pouco mais de uma semana, julho de 2001, realiza-se a primeira reunião em uma das salas da Eaufba. Muitas mais seriam realizadas no curso do semestre, pelo menos uma vez por semana, até que se elaborasse coletivamente a proposta, enfim, apresentada ao concurso.

Não se poderia dizer que se tratava de reuniões convencionais. No início, sob a coordenação de uma das professoras e, posteriormente, por quem se habilitasse, as reuniões começavam ao som de músicas indígenas, cantigas de roda ou sons colhidos da natureza. Sempre em círculo, de mãos dadas ou abraçados, cantava-se e dançava-se, de início descompassadamente e, aos poucos num mesmo ritmo. Constrangimentos não faltaram, especialmente entre aqueles que não eram acostumados com este tipo de dinâmica de grupo. Efetivamente, este procedimento contribuiu para reforçar os laços de amizade, confiança e solidariedade. Tal prática foi abandonada posteriormente sem que se avaliasse os motivos, embora possa ser compreendido no contexto da nova configuração assumida numa segunda etapa dos trabalhos, conforme será esclarecido um pouco mais adiante neste texto.

A esta breve abertura lúdica, seguiam-se debates a partir de uma intervenção estruturada, sobre economia solidária ou sobre experiências de microcrédito. Sempre em círculo, a reunião transcorria de modo a estimular a intervenção dos presentes, justamente para reduzir o desnível de informação entre os participantes. Contudo, o caráter inovador da proposta encorajava a todos a oferecer as suas contribuições. O encontro semanal dedicava a maior parte do tempo, entretanto, à formulação do projeto em discussão de grupos e em plenária. Motivados pela oportunidade de realizar uma experiência junto à comunidade ou observar as possibilidades de trabalho com a economia solidária, o grupo envolvido alcançou seis professores, além de técnicos e dezenas de estudantes. Vinte a trinta pessoas participavam dos encontros semanais.

Aos poucos passaram a ocorrer reuniões extraordinárias de grupos encarregados de apresentar propostas sobre partes do projeto. Desde o início, no entanto, a criação de uma lista de discussão na internet – que logo alcançou cinqüenta inscrições – possibilitou um clima de assembléia geral permanente, visto que consultas, proposições, textos diversos, passaram a circular com grande freqüência. Com a distribuição das atas das reuniões pela lista de discussão tornou-se fácil acompanhar o andamento dos trabalhos ainda que não fosse possível comparecer a todos os encontros.

As atribuições de coordenar as reuniões e elaborar as atas eram distribuídas de preferência em sistema de rodízio e pelo critério do voluntariado, ou seja, aqueles que se dispunham para a tarefa deveriam se manifestar. Quanto às decisões, estas deveriam ser consensuais para as questões mais relevantes, de modo a permitir o exercício do convencimento ou, quase sempre, buscar uma solução alternativa.

Em linhas gerais estes procedimentos são mantidos até hoje, com pequenas alterações.

Qual finanças?

Um Manifesto elaborado para difundir os princípios que norteavam a proposta do BanSol, em agosto de 2001, referia-se ao compromisso com a possibilidade de desenvolver uma “alternativa às concepções neoliberais de mercado” empreendendo uma prática solidária (veja no box a íntegra do Manifesto do BanSol). Tratava-se, inicialmente de apontar as diferenças básicas entre o que se pretendia construir e as demais organizações de fornecimento de microcrédito. De uma forma geral, aquelas instituições repassavam recursos disponibilizados por agências nacionais e internacionais e se orientavam por lógicas típicas de mercado, o que tornava o dinheiro excessivamente caro para os empreendimentos populares.

Os custos operacionais para o fornecimento do crédito aos pequenos empreendedores eram maiores do que naquelas operações voltadas para uma empresa de maior porte, o que se constitui em um contra-senso.

Começava-se, assim, a delimitar os contornos essenciais do BanSol: 1) o custo operacional não deveria ser repassado aos empreendimentos apoiados; 2) não se constitui objetivo do BanSol a obtenção de lucro; 3) as relações entre o BanSol e as organizações apoiadas deveriam ter caráter essencialmente solidário.

Como decorrência destes objetivos básicos, as atividades do BanSol deveriam se basear sobretudo em trabalho voluntário de modo a limitar os custos operacionais, que seriam minimizados, ainda, pela utilização de instalações da Universidade para a realização de reuniões e contatos. Custos adicionais deveriam implicar em captação de recursos em outras fontes, desonerando os empreendimentos apoiados.

O caráter não-lucrativo e solidário da iniciativa resultou na formulação do conceito de Taxa de Retribuição Solidária, devida pela organização recebedora do crédito, adicionalmente ao recurso transferido na forma de empréstimo. A referida Taxa deveria tão somente incluir a correção monetária e gastos tributários com a movimentação financeira, sem juros, sendo considerado este adicional ao valor emprestado uma retribuição solidária, de forma a tornar o recurso disponível posteriormente para outras instituições.

O Fundo Solidário – o recurso a ser disponibilizado às entidades apoiadas – seria composto pelo recurso a ser obtido com a premiação mas, também, a partir de outras iniciativas. Desta forma, aos poucos, a idéia do Banco Solidário vai se firmando, bem como a possibilidade concreta de viabilizar-se independentemente do almejado recurso da premiação.

A necessidade de definir o público-alvo do BanSol levou à noção de “empreendimentos coletivos solidários”, ou seja, cooperativas populares ou outras formas de associação que envolvessem pessoas de baixa renda em torno de atividades econômicas que lhes garanta uma ocupação e rendimento. Assim, por opção, o crédito não seria fornecido a indivíduos isoladamente.

O Manifesto do BanSol, que resumia as principais conclusões a que se chegara, ainda no início do projeto, conclamava a novas adesões, registrando que:

MANIFESTO POR UM BANCO VERDADEIRAMENTE SOLIDÁRIO

A idéia de iniciar uma experiência no campo das finanças solidária nos mobiliza por diferentes motivações: engajamento em um projeto de cunho social, articular o que poderia parecer paradoxal - economia e solidariedade, pela possibilidade de aprendizado, de desenvolvimento de uma alternativa às concepções neoliberais de mercado e de empreendimento de uma prática solidária. Razões suficientes para reunir parte da comunidade universitária de diferentes instituições, e organizações outras da sociedade, em torno da criação de um banco solidário.

De início, não mais que uma vaga noção de como organizá-lo. Aos poucos, contudo, a idéia vai tomando consistência. Verificamos que existem variadas experiências e de diferentes matizes, sob o mesmo guarda-chuva, a mesma designação. Também, aos poucos, num processo participativo – como devem ser iniciativas desta natureza, construindo juntos -, procurando acertar nossos passos, identificamos o que não queremos, e vislumbramos algumas luzes do que parece ser o nosso desejo.

Queremos um banco diferente, não uma organização que sirva de ponte para o sistema financeiro já instituído, que siga a mesma lógica e, por conseqüência, reproduza injustas relações. Queremos um banco que não vise o lucro, mas, sim, apoiar iniciativas solidárias. Uma instituição cujo razão de existir não seja a sua permanência e sim os seus objetivos, embora sua sobrevivência seja necessária alcançá-los. Um banco que não pretenda ser grande, como a lógica competitiva impõe a todas instituições deste gênero.

Um banco que, ao apoiar empreendimentos coletivos solidários, não o faça com base em critérios de obtenção de maior rentabilidade. Mas, que banco é esse? Respondemos: é um banco verdadeiramente solidário, baseado no trabalho solidário. É um banco que não pode deixar de dispor de uma participação ampla e desinteressada da comunidade em que se instala, e que contribua para fortalecer os seus laços de solidariedade e os seus laços econômicos. Uma instituição cuja preocupação central seja a manutenção do fundo de empréstimo, e que mesmo que vise a sua ampliação, o faça através de outras iniciativas que não seja a aplicação de juros de mercado, ou taxas próximas às que ali se pratica.

Uma instituição que estabeleça relações com outras organizações visando o acompanhamento das experiências-alvo de financiamento, e a aquisição de equipamentos e instalações – reduzidas ao mínimo, de forma a não comprometer os recursos de empréstimo com outras finalidades. Uma instituição que contribua para desenvolver uma gestão solidária e que funcione sob esta ótica. Um vasto campo para experiências acadêmicas.

Esse banco é viável? É o banco que queremos, que nos interessa! É o que entendemos como uma instituição que forneça crédito barato para financiar, prioritariamente, atividades produtivas de iniciativa popular.

Como se faz um banco assim? É um banco em construção, em que se aprende à medida que nos comprometemos com uma idéia que aos poucos se concretiza. Para isso precisamos de todos.

Venha se juntar a nós!

Salvador, 2 de agosto de 2001.

Todo o processo decisório para chegar a este formato, deve-se reafirmar, teve ampla participação dos professores e alunos das já citadas universidades, além de profissionais que aderiram à proposta. Havia, contudo, aspectos fundamentais a serem equacionados, entre os quais aqueles relacionados à própria instituição universitária, ou seja, as atividades de ensino, pesquisa e extensão. Outra importante questão decorria da necessidade de criação de mecanismo de estímulos à participação.

Assim, procurou-se uma solução articulada. A experiência do BanSol seria integrada às atividades de Extensão da UFBA, transformando-se em uma disciplina optativa, dentro do programa de Atividade Curricular em Comunidade – ACC, que reúne, em toda a Universidade, quinhentos estudantes nos mais diversos projetos de integração com a sociedade. Também o Colegiado do curso de Administração da UFBA reconheceu aos estudantes a possibilidade de converter em créditos a participação no BanSol, a título de estágio supervisionado.

Esta articulação permitiu ampliar o foco do projeto, de modo a associar o fornecimento de recursos financeiros ao apoio técnico aos empreendimentos coletivos solidários. Caberia ao BanSol em colaboração com a Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares – ITCP/UNEB, formatar propostas de financiamento, apontando sugestões com vistas à viabilidade econômica e administrativa dos empreendimentos. Outras organizações vinculadas à Eaufba – a Empresa Júnior, a Aisec (de intercâmbio internacional de estudantes) e o Diretório Acadêmico se comprometeram em participar de variadas formas.

A atividade do BanSol também estaria associada às atividades de pesquisa do Núcleo de Pós-Graduação em Administração – NPGA/EAUFBA, especialmente ao Núcleo de Estudos sobre Poder e Organizações Locais – Nepol. Neste particular, estabelecia-se como um dos objetivos adicionais do BanSol o desenvolvimento de conhecimentos específicos de gestão de empreendimentos sociais, cujas características em muito se diferenciam dos segmentos público e privado, e sobre a qual a literatura do campo da administração não se dedica a analisar.

A estrutura do Projeto

Em meados de setembro, o projeto BanSol já estava concluído para efeito da participação no Prêmio. Além da concepção geral do modelo de finanças solidárias, também foi definida a forma de aplicação do recurso financeiro ao longo de um ano, apresentando evidências da sustentabilidade do processo, ou seja, de que os programas apoiados permaneceriam após este período inicial. Assim, foram escolhidas entre as cooperativas populares com as quais mantínhamos contato, aquelas que participariam desta experiência.

A seleção de três cooperativas teve como critério básico o fato de que todas elas vinham sendo acompanhadas pela ITCP/UNEB ou pelo Mestrado de Administração Regional da Unifacs. Eram empreendimentos em distintos graus de desenvolvimento, conforme podemos verificar a seguir:

- A COOFE - Cooperativa Múltipla Fontes de Engomadeira, incubada da ITCP, é composta em sua quase totalidade por moradores do bairro de Engomadeira, situado na vizinhança da UNEB. Grande parte da população desenvolve ocupações no mercado informal de trabalho, e têm renda média familiar de 1,5 salário mínimo. O bairro é predominantemente residencial, apresentando condições de saneamento e pavimentação bastante precárias. A cooperativa, que envolve vinte a trinta pessoas, produz pães de 50g para comercialização no próprio bairro além de pãezinhos e panetones, com a pretensão de diversificar sua produção para pizzas e bolos, além de outros tipos de pães. Identificavam, imediatamente, a necessidade de aquisição de carrinhos que facilitassem a comercialização de seus produtos, ampliando a sua capacidade de vendas (ITCP/UNEB, 2001);

- A COOPERTANE - Cooperativa Múltipla União Popular dos Trabalhadores de Trancredo Neves, igualmente incubada da ITCP, é sediada em Tancredo Neves, um dos mais populosos bairros da periferia de Salvador. Atualmente tem cerca de 40 mil moradores, em sua grande maioria negros, pessoas empobrecidas, semi-alfabetizadas, desempregadas ou subempregadas, que moram nas muitas ruelas e encostas do bairro. O grupo é constituído por 35 integrantes, dos quais 32 são mulheres, optando por iniciar suas atividades com a reciclagem artesanal de papel. Após o processo de capacitação dos cooperantes para o desenvolvimento da produção, busca financiamento para aquisição de equipamentos e reforma do espaço que lhes foi cedido para funcionamento(ITCP/UNEB, 2001);

- A COOPAVV - Cooperativa Popular de Alimentação do Bairro Vila Verde é formada por moradores do Conjunto Vila Verde, construído em 1995, para abrigar famílias vitimadas por desabamentos decorrentes das fortes chuvas daquele ano. O Conjunto foi implantado em uma colina, onde foram demarcados 500 lotes de 84 m2, com casas-embriões de 20 m2, grande parte já modificada. A Cooperativa é baseada em uma Horta e num Restaurante comunitários, experiências mais recentes da Associação Clube de Mães, que mantém uma creche e uma escolinha. A COOPAVV funciona desde março de 2001, de forma irregular. Inicialmente, a idéia era produzir alimentos in natura e distribuí-los em forma de refeição preparada pelos cooperados, comercializando o excedente, posteriormente, foi incrementada a venda de quentinhas, como forma de ampliar o empreendimento. A Horta foi instalada em terreno contíguo à área residencial sob uma linha de alta tensão da Chesf, que autorizou o uso do espaço para fins agrícolas. A aplicação de recursos na cooperativa seria destinada à aquisição de equipamentos e formação de capital de giro.

Segundo a proposta, o BanSol forneceria os recursos financeiros requeridos pelas cooperativas a partir de um projeto de financiamento elaborado em conjunto com os diversos parceiros institucionais, de modo a identificar o investimento que melhor potencializaria os empreendimentos. De imediato, estabelecia-se a cobrança da Taxa de Retribuição Solidária - TRS para recompor o fundo de recursos e assegurar a continuidade do próprio BanSol. O próprio valor da Taxa e demais condições do crédito – valor de cada operação, carência, prazo – seriam analisadas caso a caso, em função do grau de desenvolvimento de cada cooperativa.

Tendo em vista o objetivo de reduzir ao máximo a TRS, o “banco” viabilizaria outras alternativas para custear as operações de análise, assessoramento, acompanhamento dos projetos, recomposição do fundo de recursos, bem como os custos de instalação, equipamentos e manutenção.

Posteriormente, na fase dos trabalhos que corresponde à ACC – Atividade Curricular em Comunidade, evoluiu-se para uma proposta de retribuição do crédito fornecido, que embora não pudesse ser generalizada para todos os casos, passaria a ser uma referência de análise.

Segundo este formato, tão logo fornecido o crédito, o BanSol seria considerado como um dos cooperantes para efeito de recebimento dos rendimentos, até que fosse envolvido todo o valor emprestado, mais a TRS. Portanto, o BanSol receberia o equivalente ao rendimento mensal obtido por cada cooperante, a título de amortização da dívida. Ficava estabelecida a parceria.

O BanSol receberia o que cada um dos cooperados recebesse. Quanto maior o rendimento líquido a ser distribuído, mais rapidamente o BanSol poderia se comprometer com novos financiamentos.

O Projeto incluía, ainda, uma estratégia de difusão da experiência, através da realização de fóruns específicos para associações de moradores, através da FABS - Federação de Associações de Bairro de Salvador; para os sindicatos de trabalhadores, para a Agência de Desenvolvimento Solidário - ADS/CUT, entre outras medidas. Em outro plano, a difusão da experiência atingiria as prefeituras municipais buscando o desenvolvimento de iniciativas similares de fornecimento de crédito, obedecendo aos parâmetros solidários (Projeto Bansol, 2001).

Para medir e apreender os impactos econômicos, sociais e psicossociais, foram relacionados os indicadores abaixo discriminados:

I) Econômicos:

- Impacto sobre a produção empreendimentos beneficiários, em função da aquisição de equipamentos e materiais, viabilizada através do crédito recebido;

- variação da receita do empreendimento no período de concessão do crédito;

- variação dos custos do empreendimento;

- número de horas capacitação técnica;

- número de entidades beneficiadas;

- montante do crédito fornecido frente aos recursos disponíveis.

II) Qualitativos:

- aumento da autonomia e desenvolvimento de atitudes pró-ativas das pessoas envolvidas em relação ao aspecto gerencial do empreendimento;

- aumento da autonomia do empreendimento com relação aos aportes externos.

III) Impactos Sociais:

a) Quantitativos:

- variação na renda familiar dos integrantes dos empreendimentos solidários;

- variação do número de associados dos empreendimentos coletivos;

- número de alunos e professores envolvidos na experiência;

- número de trabalhos produzidos baseados no tema;

- experiência e número de pesquisas financiadas associadas à experiência.

b) Qualitativos:

- nível de articulação entre pesquisa ensino e extensão;

- nível de articulação entre universidade e sociedade;

- consolidação de conceitos e instrumentos relativos a gestão de empreendimentos solidários;

- multiplicação para outras instituições de ensino de outros estados da prática de economia solidária desenvolvida no projeto.

c) Indicadores Psicossociais:

- grau de permanência dos indivíduos no empreendimento;

- grau de satisfação dos envolvidos no empreendimento;

- grau de integração do grupo.

Ainda segundo o projeto, a avaliação do andamento dos trabalhos seria desenvolvida através de reuniões periódicas com responsáveis de cada empreendimento, utilizando dinâmicas de grupo e observações dos envolvidos; além de atividades de acompanhamento dos demonstrativos econômicos e financeiros dos empreendimentos; e avaliação periódica do próprio BanSol.

O Prêmio

Encaminhado Projeto ao concurso, foi grande a expectativa da equipe, que acompanhava passo a passo o desenvolvimento das diversas etapas de seleção. Se é verdade que mantínhamos a disposição de levar adiante a iniciativa, independentemente do resultado, sabíamos que a obtenção do recurso nos pouparia esforços adicionais de captação, permitindo atender à expectativa gerada também entre os cooperantes dos empreendimentos com os quais mantínhamos contato.

Finalmente, o BanSol e mais quatro projetos foram escolhidos entre mais de cem propostas encaminhadas por grupos organizados em quase todos os estados da federação.

Imediatamente passamos a novas tarefas relacionadas ao formato jurídico a ser assumido pelo BanSol, pesquisa entre os cooperantes, etc. No momento, conclui-se o semestre letivo e com ele, a experiência com a disciplina ACC – Projetos Solidários, cuja avaliação está em andamento. Muitos problemas são identificados, entre eles a falta de liberação do recurso financeiro do Prêmio, que frustrou expectativas e atrasou o cronograma de implantação. Estes revezes não implicam em descontinuidade, ao contrário, novas medidas e correções de rumo estão sendo discutidas. A confiança no caráter inovador da proposta e a certeza de que estamos, todos os envolvidos, aprendendo muito, é o que nos impulsiona.

Conclusões

Pelo exposto, pode-se concluir que o BanSol, pelo caráter participativo do seu processo de construção e pela preocupação com o desenvolvimento de empreendimentos coletivos que aliam solidariedade e sustentabilidade de comunidades de baixa renda, configura um arranjo organizacional inovador no campo nas finanças solidárias.

A articulação da experiência com o ensino, pesquisa e extensão, dá espaço a uma análise crítica permanente e amadurecimento da proposta inicial com vistas ao atendimento dos seus objetivos finalísticos. A possibilidade, por sua vez, de desenvolvimento de conceitos e instrumentos para a gestão social aponta uma perspectiva de trabalho junto a este imenso e crescente universo de empreendimentos sociais. Ressalte-se, em particular, o fato de tal iniciativa ter nascido numa escola de administração que, no geral têm seus currículos presos às lógicas da administração privada.

Bibliografia

IBAM. Perspectivas de expansão das microfinanças no Brasil: marco legal, capitalização e tecnologia – Relatório Final. Rio de Janeiro, abril de 2001.

ITCP – UNEB, Relatório de Atividades, 2001.

FRANÇA, Genauto C. Novos arranjos organizacionais possíveis? O fenômeno da economia solidária em questão (precisões e complementos). In: Organizações & Sociedade/Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia, v. 8, n. 20, p. 125-137, janeiro/abril 2001.

GRAMEEN BANK. Página na internet:www.grameen-info.org

PASSOS, A.F.; PAIVA, L.H.; GALIZA, M.; COSTANZI, R. N. Focalização, sustentabilidade e marco legal: uma revisão da literatura de microfinanças. In: Mercado de Trabalho, conjuntura e análise, Ipea, ano 7, p. 41-61, fev 2002

PROJETO BANSOL. Disponível no endereço http://www.adm.ufba.br Mimeo., 2001.

SINGER. Paul. Finança Solidária. Jornal Valor econômico, edição de 4 de fevereiro de 2002, p. A13.

Notas

1 Nilton Vasconcelos é Professor da Escola de Administração da UFBA (2001-2002) e membro do BanSol.

2 A ITCP/UNEB tem como objetivo a criação de oportunidades de trabalho e renda, através da estruturação de cooperativas populares. Esta concepção de fomentar a criação de cooperativas populares a partir das Universidades surgiu com a experiência desenvolvida pela Fundação Oswaldo Cruz - FIOCRUZ, em 1994. O Programa Nacional de Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares - PRONINC, lançado em maio/98, no Rio de Janeiro pela COPPE/UFRJ, FINEP, FBB, Banco do Brasil, COEP e Programa Comunidade Solidária, teve o objetivo de estender essa experiência a outras universidades brasileiras, sendo a Uneb uma das primeiras Universidades brasileiras selecionadas para dar continuidade à experiência






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