Ardil-22: a versão nacional
Economia

Ardil-22: a versão nacional



Um dos temas mais “quentes” de política monetária refere-se às dificuldades de lidar com o ingresso de capital estrangeiro no país. O problema aparece, no entender de autoridades, porque o remédio típico para arrefecer as pressões inflacionárias – na ausência de um ajuste fiscal digno deste nome – é o aperto da política monetária, expresso na elevação da taxa básica de juros, a Selic. Entretanto, segue o argumento, taxas de juros domésticas mais altas relativamente às externas criam um fator adicional de atração de capitais, que então realimentaria a pressão sobre a inflação por meio da expansão da liquidez e do crédito que se seguiriam ao ingresso.

Esta visão foi resumida pelo presidente do BC quando afirmou: “Esse impacto inflacionário do ingresso de capitais não pode ser lidado com juros, porque, na realidade, quando apertamos as condições financeiras e monetárias, os indivíduos e as empresas buscam recursos lá fora” (Valor Econômico, 27/04/2011).

Tal tese, se válida, colocaria o BC face a um “Ardil-22”: se não subir as juros a demanda se expande e a inflação segue pressionada; caso suba os juros, aumentam os ingressos de capital, a demanda cresce e novamente aparecem as pressões inflacionárias. Esta seria a justificativa para a adoção de políticas de restrição ao crédito (há algum tempo me recuso a chamá-las de “macroprudenciais”, por não serem “macro”, muito menos “prudenciais”), que permitiriam desacelerar a demanda, sem estimular novos ingressos.

Resta, todavia, saber se a tese é, de fato, válida. Acredito que sim, mas apenas porque o BC parece ter agora mais objetivos que simplesmente manter a inflação na meta.

Com efeito, sabe-se que a política monetária enfrenta desafios distintos sob regimes cambiais diferentes. Quando a taxa de câmbio é administrada, o BC se compromete a comprar e vender moeda estrangeira a um determinado preço. Neste contexto, se os capitais são razoavelmente livres para entrar e sair do país, a gestão de política monetária fica muito complicada.

Caso o juro doméstico suba além do externo, há incremento no ingresso de capitais, que deve obrigatoriamente ser comprado pelo BC, elevando a  oferta de moeda e trazendo as taxas de juros para baixo, desfazendo à noite o que o BC tece de dia. Isto força a novas rodadas de elevação de juros, reiniciando o ciclo, de forma não muito distinta daquela descrita pelo presidente do BC. Sob um regime de câmbio administrado e mobilidade elevada de capitais, são escassas as chances do BC impor sua política monetária.

No entanto, o Brasil não adota este regime. Formalmente, pelo menos, nosso câmbio é flutuante, isto é, o BC não tem qualquer obrigação de comprar ou vender moeda estrangeira. Caso a taxa de juros aumente, há um incentivo adicional para o ingresso de capitais, que se manifesta, todavia, pela apreciação da taxa de câmbio. Em tese, o câmbio se aprecia até o ponto em que a expectativa de desvalorização iguale a diferença entre o juro interno e externo, eliminando os ganhos esperados com a arbitragem.

O interessante neste caso é que não há o Ardil-22. O encarecimento do real é quem “freia” os ingressos, pois encarece também todos os ativos (ações, bônus, empréstimos, etc.) denominados em moeda nacional. Posto de outra forma, à medida que o real se fortalece face ao dólar, menores são os incentivos para indivíduos e empresas buscarem recursos no exterior, pois aumenta o risco de uma desvalorização que encareceria estes passivos.

O ardil reaparece, contudo, porque o BC tem se engajado também na tentativa de conter o fortalecimento da moeda nacional, adicionando um objetivo à obrigação de manter a inflação na meta. Como o real não se aprecia, permanece o incentivo para o ingresso de capitais, já que – além da diferença entre taxas de juros – o risco de uma desvalorização é consideravelmente menor.

Visto de outra forma, a compra de moeda estrangeira pelo BC faz com que o regime de câmbio se assemelhe à descrição que fizemos do regime de câmbio fixo nos parágrafos acima: os ingressos de capital agora se traduzem em elevação da liquidez doméstica, em particular se direcionados a ativos privados e não à dívida pública, como argumentado por Márcio Garcia (Valor Econômico, 29/04/2011).

O Ardil-22 reflete o duplo objetivo do BC (inflação e câmbio). Sob tais circunstâncias, um instrumento adicional é requerido, a saber, as restrições ao crédito, cujo funcionamento, todavia, ainda se reveste de dúvidas, seja quanto à intensidade do seu impacto sobre a inflação, seja acerca do horizonte temporal em que tais efeitos se manifestarão.

A persistência da inflação, contudo, assim como os sinais de atividade econômica ainda forte no primeiro trimestre do ano, parecem estar reduzindo a ênfase do BC no seu objetivo cambial e reavivando seu interesse pela política monetária convencional. Resta saber se esta nova postura irá sobreviver à queda sazonal da inflação no segundo trimestre, ou se voltaremos à hesitação que marcou o final do ano passado e o começo deste ano.

Dois objetivos, mas apenas um instrumento
(Publicado 2/Jun/2011)



loading...

- Pés No Chão
Recentemente o economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), Olivier Blanchard, co-escreveu um texto importante (Rethinking Macroeconomic Policy) em que explora lições da crise internacional para o desenho de política econômica, como a...

- Câmbio E Política Fiscal
Prometi que, quando tivesse tempo, mostraria o modelo que sugere aperto fiscal para levar a um câmbio mais depreciado. Esta não é a única abordagem possível (quem preferir trabalhar com o diagrama de Swan há de chegar a conclusões semelhantes),...

- Uma Idéia “muy Amiga”
A usina de más idéias não parece fechar. Seu mais recente produto é a proposta de alteração do modus operandi do Banco Central, que, ao invés de ter a inflação como meta, passaria a ajustar a política monetária com o objetivo de manter a taxa...

- Resposta A Almotásim
Recebo muitas mensagens no meu e-mail de contato. Afora insultos ocasionais, a interação com os leitores enriquece meu trabalho e sugere novos tópicos para os artigos. Um tema, que tem aparecido com certa freqüência – de onde imagino que há uma...

- Selic A 10% Não é Inflacionária?
Meu amigo Paulo Tenani escreveu recentemente um artigo em que defendia a tese que a Selic a 10% não seria inflacionária. A tese pode até ser verdadeira (torço para que sim; acho que não, pelo menos nas atuais circunstâncias), mas não pelos motivos...



Economia








.