Economia
A opção nuclear
O título é chamativo, reconheço, mas vida de colunista é uma disputa permanente pela atenção dos 18 leitores, que hão de me perdoar por um pouco de sensacionalismo na manchete, desde que consiga me redimir, como espero, no corpo da coluna.
A opção nuclear do título refere-se às chamadas medidas de “núcleo” da inflação, a que quase ninguém, exceção feita aos analistas profissionais, costuma prestar muita atenção, talvez com bons motivos em condições normais, isto é, bastante distintas daquela que vivemos hoje.
Um problema comum em economia é achar contrapartidas nos dados para alguns conceitos, cuja definição é bastante precisa. Inflação, por exemplo, consiste no aumento persistente do nível geral de preços, acepção que dá ênfase a dois elementos: persistência e abrangência.
De fato, se todos os preços da economia aumentassem, digamos, 1% num determinado período e permanecessem estáveis daí em diante, não poderíamos, a rigor, falar em inflação. Da mesma forma, se uns poucos preços aumentassem de forma persistente, mas com os demais se mantendo constantes, também não se trataria de um fenômeno inflacionário.
No entanto, em ambos os exemplos (extremos, usados apenas para ilustrar o tema), os índices de preços capturariam os aumentos, sem fazer a distinção requerida pela teoria. Na prática, ao analisar o comportamento dos índices de preços, analistas precisam distinguir entre movimentos persistentes e temporários, assim como entre aumentos generalizados e localizados.
A utilização das medidas de núcleo de inflação é uma técnica que permite lidar com o problema. Trata-se de definir uma medida de inflação que seja menos afetada por fenômenos transitórios (ou localizados), possibilitando ao analista um entendimento menos “poluído” do que ocorre no frontinflacionário.
Não há, é bom dizer, uma definição particular que consiga lidar com todas as dificuldades. Em alguns casos costuma-se excluir do cálculo um conjunto predeterminado de bens e serviços (nos EUA, alimentos e combustíveis; no Brasil, alimentos e preços administrados pelo governo), considerados a priori mais voláteis ou menos sujeitos à dinâmica de mercado.
Em outros casos não há um conjunto predeterminado de bens e serviços; apenas são excluídos da conta aqueles preços que mais caíram ou subiram num período particular, também sob a suposição de se tratarem de preços mais voláteis, que não configurariam um verdadeiro processo inflacionário. Outra técnica ainda altera os pesos dos produtos no índice de preços, atribuindo ponderação maior para os menos voláteis e menor para os mais voláteis.
É necessário esclarecer que não se trata de “expurgar” a inflação para reduzir indevidamente a responsabilidade do BC pela estabilidade de preços, mas sim de permitir – atento às limitações do instrumento – uma distinção mais nítida entre fenômenos passageiros e localizados e os persistentes e generalizados, estes fonte de maior inquietação.
Em particular, se a inflação é alta, mas os núcleos são bem menores, é bem provável que a elevação de preços seja passageira, ou resultante de pressões localizadas; por outro lado, caso a inflação seja baixa, mas os núcleos não, a indicação é bem mais preocupante.
No caso do Brasil, não apenas a inflação é alta, mas os núcleos (temos 5 versões deles!) conseguem ser ainda maiores, sugerindo que as tensões são mais sérias do que as reveladas pela simples leitura do IPCA. Enquanto este apontava para uma inflação de 5,86% nos 12 meses até setembro, a média dos núcleos indicava um número na casa de 6,22%, provavelmente mais representativo da “verdadeira” inflação nestes tempos de interferência governamental sobre os preços.
O corolário da opção nuclear é, portanto, simples: apesar do governo insistir no contrário, seu controle da inflação é bem mais frágil do que aparenta.
(Publicado 23/10/2013)
loading...
-
Medalha, Medalha, Medalha
Virou lugar-comum atribuir aos preços administrados, particularmente às tarifas de energia elétrica, a inflação elevada, quase 9% nos 12 meses terminados em junho, a mais alta desde dezembro de 2003. Em consequência, segue a tese, de nada serviria...
-
Por Atrocidades Novas
Juro que tento achar temas diferentes para escrever a cada semana, mas o esforço do governo, em particular do Ministério de Fazenda, na geração de atrocidades me obriga a voltar a temas que já deveriam estar devidamente relegados ao longínquo cemitério...
-
Inflação, Tomates E Outros Pepinos
O carnaval em torno do preço do tomate pode levar alguns a acreditar que o vegetal em questão seja o grande vilão da escalada inflacionária. Não é o caso. Embora seja verdade que seu preço tenha subido mais do que 120% nos últimos 12 meses, justificando...
-
A Pedido - 1
Tinha prometido ao Pedro que postaria o gráfico da inflação "cheia" e núcleo no Brasil e estou cumprindo a promessa. No caso, como temos 5 medidas de núcleo (médias aparadas, com e sem suavização, exclusão, IPCA-EX e IPCA-Dupla Ponderação -...
-
Uma Proposta Modesta
A proposta (a rigor um balão de ensaio, como de praxe) do ministro da Fazenda – definir um novo índice de preços, o IPCA sem alimentos e combustíveis, como meta para a política monetária – tem sido atacada como mais um casuísmo para, pretensamente,...
Economia