Economia
A Moody’s tem razão (e não tem)
A decisão da Moody’s de colocar o ‘rating’ de Portugal em lixo é um banho de gelo sobre a expectativa de que plano da troika e novo Governo significa salvação. Uma enorme ilusão. O problema não é (apenas) técnico, é político. O que significa que temos de ser mais troikistas que a troika.
As agências de rating ouvem o que nós ouvimos e ouvem mais, ouvem aquilo que se diz nos corredores do euro. E perguntam: será que os líderes do euro querem mesmo salvar a Grécia e Portugal?
Vejamos o argumento da Moody’s:
1.
Portugal corre o risco de não cumprir os objectivos de redução do défice orçamental e de estabilização do endividamento acordados com a troika por causa dos “enormes desafios que o País enfrenta ao nível da redução da despesa e do combate à fuga fiscal, para impulsionar o crescimento económico e apoiar o sistema financeiro."
2.
A banca portuguesa regista a "possibilidade não negligenciável” de “
precisar de mais apoio do que o que está previsto no acordo” com a Troika
3. Como consequência (de 1. e 2.)
Portugal corre um "risco crescente de precisar de um segundo plano de assistência financeira antes de conseguir regressar aos mercados financeiros".
4. E em face da probabilidade de precisar de mais ajuda (concluído em 3.)
a abordagem recente à crise da dívida na Grécia criou “uma maior possibilidade de colocar como pré-condição para novos empréstimos a participação dos credores privados".
Ou seja,
o mundo mudou outra vez, mostrando mais uma vez que o problema é político:
- A Moody’s, que defende os interesses dos investidores, dada a probabilidade de Portugal precisar de um empréstimo adicional – já previsto e admitido antes – e face à nova perspectiva, que a Zona Euro gerou com a Grécia, de envolver os credores privados, avisa os investidores financeiros que podem perder mais dinheiro com activos portugueses do que previam ou do que já estão perder.
E o mundo não mudou outra vez, revelando mais um vez como o problema é político:
- Portugal é, na visão da Moody’s, o segundo país mais arriscado do euro, logo a seguir à Grécia. Antes da mudança de ontem, dia 5 de Junho, era a Irlanda que ocupava a segunda posição. Em contrapartida, a Irlanda já admitiu que iria precisar de mais dinheiro, pela voz do seu ministro dos Transportes, no dia 29 de Maio. O ministro foi prontamente desmentido mas disse ser “muito improvável” que a Irlanda voltasse aos mercados em 2012, como está previsto no acordo, o que exigiria “um segundo programa ou a extensão do actual”. Portugal nunca disse isso e só terá de regressar aos mercados em 2013. Mas, apesar disso, a Irlanda está com um ‘rating’ melhor.
E o mundo expõe os desejos políticos secretos por linhas tortas:
- Portugal é, aos olhos da Moody’s, tão arriscado para fazer investimentos financeiros como a Arménia e El Salvador e mais arriscado que o Uruguai e a Guatemala. A Grécia está quase no fim da tabela ao lado de Cuba. Só há uma racionalização possível para estas hierarquias: uma probabilidade não pequena de países como Portugal, Grécia e Irlanda saírem do euro.
E eis que voltamos à pergunta fundamental:
Querem alguns países do euro que Portugal se mantenha no euro? Ou querem expulsar do euro Portugal, tal como a Grécia, a Espanha e, como efeito colateral, a Irlanda?
Esta é a pergunta que os líderes dos países do euro têm de responder com actos e declarações públicas e privadas. Porque são dúvidas quanto à vontade política de manter o euro como está que justificam o comportamento das agências de ‘rating’ e a reacção dos mercados financeiros.
As agências de ‘rating’ sabem que alguns países do euro estão convencidos que estariam melhores sem a Grécia, Portugal, Espanha e, porque parecia mal, a Irlanda. Gostariam também de ver a Itália fora, mas isso é mais difícil. Passámos do Clube Med como chamava a este grupo de países, em 1998, o então ministro das Finanças holandês Gerrit Zalm para os PIIGS e GIPSI. O problema é o mesmo.
É exactamente porque o problema é político que hoje como na altura temos de cumprir o plano da troika e ser até mais troikistas que a troika. Não podemos dar um único pretexto técnico – como não o demos na altura do exame para a entrada no euro em 1998 – para a justificação política do lamentamos, mas não são capazes de estar na União Monetária.
É por isso que devíamos ter aprovado o PEC IV. Mas o passado pouco importa.
Hoje o Governo tem de cumprir escrupulosamente as medidas impostas pela União Europeia e pelo FMI e, no que for possível, adoptar ainda mais medidas que reduzam rapidamente as necessidade de financiamento externo da economia portuguesa.
Por isso é que o imposto extraordinário é uma boa medida. E cada um de nós, na medida do que pudermos e se queremos continuar no euro, tem de consumir menos e poupar mais.
O problema das agências de ‘rating’? Sim, são um problema. É verdade que se a Zona Euro tivesse tido outra abordagem do problema grego, se mostrasse vontade política de o resolver, a Moody’s não teria cortado o rating de Portugal em 4 níveis para Ba2. Uma possível abordagem, que efectivamente resolveria o problema foi em devida altura defendida por Tremonti e Juncker e hoje temos mais uma nova abordagem de Stuart Holland e Yanis Varoufakis.
Mas há mais.
As agências de ‘rating’ mostraram que são factores de instabilidade dos mercados, alimentando as euforias e os pânicos. Têm o poder de confirmar as suas próprias previsões. É preciso mudar e reduzir o seu poder.
Mas esse é outro problema que tem de ser resolvido a nível global mas que não resolverá o problema de Portugal. A nós apenas nos resta, neste jogo do finge que ajuda, não dar pretextos técnicos. Isso significa mais do que cumprir o plano da troika, com a prudência que o elevado endividamento das famílias e empresas exige. A alternativa, sair ou ser expulso do euro, é muitissimo pior, um autêntico pesadelo.
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