A falácia de Sherwood
Economia

A falácia de Sherwood


Robin Hood, quem diria, é a mais recente justificativa para o esbanjamento. Segundo novíssimo argumento, não é verdade que o governo gaste muito, nem que a despesa pública tenha aumentado vertiginosamente no país nos últimos 13 anos. Tudo o que o governo inocentemente faz, a exemplo do salteador, é transferir recursos de uma parcela da população para outra. Como transferências a pessoas não representam consumo do governo, não haveria razões para que tal comportamento gerasse preocupação com demanda ou inflação.

No entanto, a aparência de neutralidade envolvida na noção de que o governo simplesmente tira de um grupo para dar a outro, não sobrevive a uma inspeção mais cuidadosa. Tal operação só seria “neutra” sobre o equilíbrio interno se a tributação requerida para financiar estas transferências não distorcesse de alguma forma as decisões de empresas, trabalhadores e consumidores. Isto está longe de ser verdade no Brasil, onde o setor privado é oprimido por enorme e crescente carga tributária.

De fato, entre 1995 e 2006 a arrecadação federal cresceu o equivalente a 5,8% do PIB, sendo que, deste total, PIS-COFINS (2% do PIB), CPMF (1,4% do PIB) e a contribuição para o INSS (0,7% do PIB) representam a maior parcela. São esses também os impostos que mais distorcem a atividade econômica, seja por seu caráter cumulativo, seja por desencorajarem o emprego formal.

Assim, mesmo que todo aumento de gasto público fosse destinado a transferências a pessoas, seu financiamento por meio de impostos de má qualidade reduz a taxa de crescimento potencial da economia, com repercussões sobre o equilíbrio doméstico e a inflação. Ademais, dado menor crescimento, o consumo das gerações futuras é reduzido relativamente ao consumo presente. Quem, porém, se importa, já que tais gerações não têm voto?

Não bastasse isto, há ainda dois pontos a considerar. O primeiro é que, mesmo excluindo as transferências a pessoas, o consumo do governo brasileiro não é baixo, correspondendo a cerca de 20% do PIB comparado a uma média ao redor de 13% do PIB nos principais países da América Latina. Talvez por esta razão nossa infraestrutura seja referência na região e nossos serviços públicos invejados por todo o globo.

Além disto, como notado por minha colega Zeina Latif, houve uma dramática mudança no padrão cíclico do consumo governamental nos últimos anos. Entre 1997 e 2002 o consumo do governo e o gasto privado se moviam tipicamente em direções opostas: quando o gasto privado se acelerava o consumo do governo se retraía e vice-versa (a correlação era forte e negativa, -0,82). Entre 2003 e a primeira metade de 2007 observa-se exatamente o contrário: uma alta correlação positiva (0,67) entre estas variáveis, ou seja, ao invés de contribuir para a estabilização do ciclo, a política fiscal amplia a volatilidade.

Assim, na atual conjuntura, em que o gasto privado já cresce 6% ao ano, com tendência de aceleração, a política fiscal põe desnecessariamente mais lenha na fogueira, reduzindo o espaço para queda adicional da taxa de juros.

Proclamar a falácia de Sherwood em altos brados não basta para eliminar as distorções associadas ao gasto público. Isto não altera o tamanho e a composição perversa da carga tributária, nem muda o caráter pró-cíclico do consumo governamental. Serve apenas para tentar tirar o foco do necessário, e sempre adiado, ajuste fiscal.

(Publicado 12/Dez/2007)



loading...

- Impostos E Seu Custo Invisível
Entre 1997 e os 12 meses terminados em maio de 2010 os gastos primários do governo federal cresceram, a preços de hoje, pouco mais de R$ 330 bilhões, dos quais R$ 250 bilhões desde 2002, uma velocidade equivalente a 6,3% ao ano acima da inflação,...

- Licença Para Gastar
O anúncio da transformação do país de devedor em credor externo gerou mais furor do que eu poderia imaginar após a leitura da nota do Banco Central que divulgou o acontecimento. A rigor, a proclamação da façanha é mais um marco simbólico que...

- Pacman
Segundo meu filho (15 anos, já metido a crítico literário) o título deste artigo é óbvio, tendendo talvez para o apelativo, mas não pude evitar. Comparar o devorador de fantasmas do videogame ao setor público brasileiro, devorador de recursos,...

- O Paradoxo Dos Juros
Para um país que chegou a ser visto como paradigma de crescimento rápido, o desempenho brasileiro é, sem dúvida, frustrante. Há anos o Brasil cresce pouco, ainda que haja indicações de uma aceleração – modesta, é verdade – no período mais...

- Ajuste Fiscal Ou Morte!
A carga tributária no Brasil em 2005 atingiu um novo recorde: os governos federal, estaduais e municipais arrecadaram o equivalente a 37,4% do PIB. O recorde não é só histórico: entre os países de renda per capita semelhante à brasileira não há...



Economia








.