Segundo a circular, a drástica medida visaria “melhorar a produtividade das operações e reduzir os custos fixos da Volkswagen no Brasil”. Além das demissões, a empresa teve o descaramento de apresentar uma “pauta de reivindicações” aos sindicatos da categoria visando cortar 25% de suas despesas. Apelidado de “pacotão de maldades”, ele incluía o reajuste do plano de saúde em 200%, redução da tabela salarial para os novos contratados em 35%, terceirização de vários serviços, congelamento do aumento real de salário em 2006/07, apenas uma folga fixa semanal e a eliminação da pausa para descanso da equipe de pintura.
Para tentar justificar esta barbárie, a Volks passou a difundir mentiras na mídia. Alegou que as demissões estavam congeladas há anos, o que teria reduzido a competitividade da empresa. Engodo descarado! Nos anos 80 a unidade do ABC empregava 42 mil operários; hoje tem apenas 12 mil. Afirmou também que o corte decorria da política econômica do governo Lula, que teria estrangulado a produção. Outra patifaria. A Volks é a maior indústria automobilística do país e no ano passado produziu 625 mil carros. Ela detém a liderança de participação no mercado interno com 23% das vendas e, sozinha, respondeu por 32% das exportações brasileiras de veículos. Só com as exportações ela faturou R$ 4,5 bilhões no ano passado.
“Essas demissões não têm nada a ver com problemas no setor, mas é um processo de ajuste mundial. A Volks resolveu aumentar seus lucros arrancando o couro da peãozada”, afirma o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, José Lopez Feijóo. Ele lembra que esta cruel decisão não prejudicará apenas os trabalhadores, mas que terá forte impacto no conjunto da sociedade. “Só em São Bernardo deixarão de circular na economia, em função do desemprego, R$ 192 milhões. Muita gente que trabalha no comércio perderá seu emprego. E nem estamos contabilizando o corte de direitos, que também significa redução de renda – talvez num volume tão intenso quanto o das demissões. É um prejuízo brutal para a sociedade”.
Resistência operária
Diante desta ameaça, os cinco sindicatos da categoria uniram esforços, independentemente da filiação às centrais, e traçaram um plano de lutas, que incluiu viagens à Alemanha para negociar com a sua matriz, passeatas, audiências públicas e paralisações de protestos – até chegar à greve unificada. O objetivo era manter a coesão para evitar qualquer demissão ou retirada de direitos, o que só foi rompido no final de julho pela entidade de Taubaté que assinou unilateralmente um acordo de “demissões voluntárias”. Apesar desta fratura, a resistência dos metalúrgicos tem conseguido, até agora, estancar as dispensas e o pacote de maldades da montadora. As negociações foram suspensas e a briga promete ser prolongada.
Neste esforço de resistência, os sindicatos operários também estão pressionando os poderes públicos. Eles lembram que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social fez um empréstimo de R$ 500 milhões à empresa neste ano e exigem que o governo Lula suspenda de imediato o financiamento. “Não é correto o BNDES emprestar para quem quer demitir”, alega Feijóo. A mesma cobrança tem sido feita aos governos estaduais onde existem fábricas da multinacional. Roberto Requião, governador do Paraná, já anunciou um possível corte de benefícios e incentivos fiscais caso haja demissões na unidade de Curitiba.
Além da ação nacional, os sindicatos têm se articulado com os sindicalistas das 43 fábricas da Volks espalhadas no mundo. Já ocorreram dois encontros internacionais – na Alemanha e no México. “Estamos vivendo uma mudança drástica nas relações capital-trabalho. Ao invés dos sindicatos apresentarem as suas reivindicações na busca constante de melhores condições de trabalho, são as empresas que fazem exigências aos trabalhadores. De forma repetitiva, as empresas exigem que renunciemos aos postos de trabalho, aos direitos conquistados em longas e históricas jornadas de luta”, afirma a Declaração de Puebla. A realização de uma greve mundial contra a multinacional não está descartada!
As causas da devastação
As demissões e as maldades da Volks fazem parte de uma ação planejada das montadoras de automóveis. No mês passado, a General Motors também anunciou o seu plano de “otimização”, que prevê a “demissão voluntária” de 960 operários da fábrica de São José dos Campos (SP). No ano passado, foi a vez da Ford promover cortes. E essa ofensiva é internacional. Na própria Alemanha, Volkswagen vai dispensar 20 mil trabalhadores; também serão feitas demissões em duas unidades da Espanha e em uma de Portugal. E isto ocorre no momento em que a multinacional alemã assume a liderança européia no setor automotivo. Entre janeiro e março, ela obteve um lucro líquido de 327 milhões de euros – cerca de 863 milhões de reais!
Esta ação destrutiva tem como único objetivo ampliar os lucros das montadoras – o resto é pura retórica e manipulação. Para atingir esta meta-síntese, o capital usa vários meios. O avanço tecnológico, expresso na intensa automação microeletrônica, serve para reduzir o trabalho vivo – rotulado de custo operacional – e aumentar a produtividade, ao invés de servir ao bem-estar da humanidade. A tabela abaixo demonstra que hoje as empresas produzem muito mais com muito menos trabalhadores. Já a ameaça do desemprego é utilizada pelas empresas como forma de chantagem para retirar históricos direitos trabalhistas e precarizar ainda mais o trabalho – como fica patente no “pacotão de maldades” da Volkswagen.
As multinacionais também abusam de sua força destrutiva para pressionar os poderes públicos, exigindo financiamentos, isenções fiscais e outras regalias. Na fase recente, as montadoras ganharam de presente quatro pacotes de incentivo no Brasil – isto sem falar nos empréstimos do BNDES (R$ 3,7bilhões entre 1994/2006). O primeiro foi o plano de estímulo ao carro popular, em 1993; na era FHC, dois acordos de redução do IPI foram firmados; já o governo Lula cedeu um plano de “desencalhe de estoque”. A força das multinacionais é tanta que até a candidata Heloísa Helena, que pousa de radical, defendeu em recente visita ao ABC que “o BNDES esteja à frente da negociação para financiamento da linha de exportações”.
Além destas causas mais visíveis, alguns estudiosos têm argumentado que as montadoras já atingiram seu ápice de produção e que perderam a condição de indutoras do desenvolvimento e da geração de emprego. Thomas Gounet, autor do livro Fordismo e toyotismo na civilização do automóvel, é um dos que insiste nesta tese. Com farta documentação, a sua obra comprova que esta indústria esta com sua capacidade de produção esgotada, o que explicaria os recorrentes fechamentos de fábricas nos EUA, Europa e Japão e o violento desemprego no setor. A decisão de investir na periferia do sistema capitalista visaria apenas manter os seus lucros, explorando os baixos salários e gozando das benesses do poder público.
Crise de superprodução
No prefácio da edição brasileira, ele já alertava. “Ávidos de lucros e movidos pela concorrência, todos os empresários acorrem a essa região para construir fábricas brilhando de novas... Mas quem comprará esses veículos, num país que nunca consumiu mais de 2 milhões de veículos novos ao ano, onde os salários dos trabalhadores da indústria automobilística, mais bem pagos que seus colegas de outros setores, são quatro vezes inferiores aos dos países europeus?”. Para ele, essa contradição expressaria a anarquia do mercado capitalista. “É a crise de superprodução. E qualquer tentativa de resolvê-la, reforçando mais as condições de exploração, apenas piora as coisas, visto que amplia mais o diferencial entre a produção e o consumo”.
Um estudo da Confederação Nacional de Metalúrgicos (CNM) confirma que o Brasil virou um paraíso de multinacionais dos automóveis. Em 1990, existiam 12 marcas e 17 plantas instaladas; já em 2002, havia 18 montadoras estrangeiras e 27 fábricas instaladas. A implantação destas novas empresas, entretanto, não gerou o prometido boom de empregos. As indústrias apenas se aproveitaram de acordos com os governos, no contexto da guerra fiscal, para instalar e transferir seus parques industriais e obter maiores lucros. Com isso, as empresas reduziram os custos com remuneração e retiraram direitos dos trabalhadores. Enquanto um operário do ABC paulista recebia, em média, R$ 2.609,48 em dezembro de 2001 (somando o salário direto e os adicionais), o metalúrgico da Iveco/Fiat de Sete Lagoas (MG) ganhava apenas R$ 583,75.
No artigo “a estagnação do emprego nas montadoras de veículos”, publicado na revista Debate Sindical, o professor Nilton Vasconcelos também confirma esta tendência. Ele lembra que a produção bateu recorde em 2005 com a fabricação de 2,44 milhões de unidades – entre veículos leves, caminhões e ônibus. Mas este crescimento não se refletiu na geração de empregos. “Prevaleceu nos últimos dez anos um quadro de estagnação, mantendo-se a faixa de 85/95 mil contratos de trabalho nas montadoras. A relação de veículos produzidos/empregados nas montadoras variou de 8,7 veículos por empregado, em 1980, para cerca de 25,9 por empregado em 2005. Há, portanto, um crescimento significativo da produtividade”.
Além disso, a redução do emprego “correspondeu ao crescimento da subcontratação, da terceirização, do emprego por tempo parcial e de outras modalidades de precarização. Correspondeu, ainda, à utilização de métodos de gestão que privilegiam a redução de custos – inclusive do trabalho –, e que modificaram as estruturas da produção automotiva, transferindo parcelas da montagem para empresas que integram outros níveis da cadeia produtiva”. Esta transferência, porém, não significou que o emprego foi deslocado das montadoras para os fabricantes de autopeças, como gosta de divulgar a mídia. Segundo dados do próprio Sindipeças, o setor empregava 236,6 mil trabalhadores em 1994; hoje emprega 197 mil metalúrgicos.
Tabela 1 - Produção e Emprego nas montadoras de autoveículos (1995-2005)