Economia
Uma nova política econômica?
André de Melo Modenesi, professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE/UFRJ) e pesquisador do CNPQ - Rui Lyrio Modenesi, ex-professor da Universidade Federal Fluminense e Norberto Montani Martins, mestrando do IE/UFRJ, escreveram no VALOR ECONÔMICO de hoje sobre a atual política econômica.
Em 1999, foi adotado no Brasil um regime de política econômica fundado no tripé metas de inflação, câmbio flutuante - com alto
grau de mobilidade de capitais - e metas de superávit primário. Grosso
modo, a política monetária era hierarquicamente superior às demais: a política
econômica focou a estabilização dos preços, que caberia exclusivamente à
política monetária - por meio de apenas um instrumento, a taxa Selic. O câmbio
deveria flutuar, respondendo à política monetária e aos fluxos cambiais. A
política fiscal foi coadjuvante: limitou-se a não criar pressões
inflacionárias, mantendo-se restritiva. O crescimento ficou em segundo plano.
O conturbado período entre 1999 e 2003 -
marcado pelo ataque especulativo de 1999 e por diversas crises, tanto internas
quanto externas - ajudou a validar o tripé junto à sociedade. Criou-se um
sentimento de medo, uma convenção de que se tratava da única alternativa. Os formadores de opinião repetiam "ad
nauseum" a necessidade de continuar fazendo o "dever de casa".
Qualquer correção de rota era repelida pelos investidores - nacionais e
estrangeiros - que ameaçavam fugir do país. Assim, o mercado financeiro
subjugou a gestão da política econômica e limitou drasticamente suas opções. A
crise cambial durante a eleição presidencial de 2002 foi exemplo notório.
O tripé foi mantido
rigidamente no primeiro mandato de Lula: as metas de inflação e fiscais eram
perseguidas rigorosamente. A flutuação cambial - na ausência de controles de
capitais - mantinha o câmbio como principal âncora para a inflação. No segundo
governo Lula, começa a haver uma parcimoniosa flexibilização, com o resgate de
política fiscal contracíclica e algumas medidas de controle cambial. O Banco
Central (BC), por seu turno, foi na contramão, tornando o regime de metas de
inflação ainda mais rígido. Criou-se patente
falta de coordenação entre as principais instâncias da política econômica: a
fiscal era expansionista, a monetária restritiva. A reação à crise
do supbrime (2008-2009) foi inusitada: o Ministério da Fazenda estimulava a
economia, e o BC subia os juros.
A atuação da Fazenda ampliou-se
significativamente após a crise, com o uso de medidas anticíclicas. O maior ativismo na política fiscal se manteve após a
superação da fase mais aguda da crise. Após 2010, o foco voltou-se para o
câmbio. O Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) foi o principal
instrumento para coibir a apreciação cambial e a flexibilidade cambial foi
limitada por controles à entrada de capitais. O IOF serviu, também, para
desestimular a demanda por crédito, atuando em complemento às medidas de
contenção da demanda editadas pelo BC.
A Fazenda adotou, ainda, medidas para
prevenir a elevação de certos preços. Ressaltam-se as desonerações tributárias
e, principalmente, a linha de financiamento para estocagem de etanol para
garantir oferta adequada na entressafra - evitando-se importante pressão
inflacionária. Finalmente, destaque-se a
alteração dos rendimentos da poupança contribuindo, de forma coordenada com o
BC, para a queda dos juros. Note-se, entretanto, a indesejável
indexação dos rendimentos à Selic, contrária à imperiosa desvinculação dos
ativos financeiros em relação à taxa básica de juros.
As mudanças por parte do BC ocorreram a
partir de dezembro de 2010. Primeiro foram elevados os compulsórios, para
moderar a oferta de crédito. Adicionalmente, foram tomadas medidas
macroprudenciais para também conter o crédito. Finalmente, destaca-se a atuação
menos conservadora do BC, que se antecipou e, acertadamente, tomou proveito de
janela de oportunidade para impor redução menos gradual e parcimoniosa da taxa
Selic. Assim, distanciou-se, ainda que
limitadamente, do padrão excessivamente conservador que vinha caracterizando a
instituição. Exemplo notório desse conservadorismo ficou conhecido como o erro
de Meirelles. Apesar do recrudescimento da crise do subprime e dos
claros sinais de desaquecimento da economia, a política monetária foi mantida
apertada. Além de favorecer uma queda ainda
mais drástica da atividade, perdeu-se boa oportunidade de se reduzir a taxa
Selic.
Essa nova postura
materializou-se em corte, não previsto pelo mercado, de 50 pontos-base na
Selic, na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) de agosto de 2011. O
BC contrariou, frontalmente, o "consenso" de mercado, antecipando em
cerca de três meses a redução da Selic implícita no swap de DI. O que gerou
pesadas perdas para a maioria dos agentes do mercado de DI, que apostava na
manutenção dos juros.
Essa decisão fundamentou-se em quadro
inflacionário mais benigno, marcado por: ameaça de recrudescimento da crise
europeia; arrefecimento da economia doméstica; e reaproximação da inflação ao
centro da meta. Além disso, a Fazenda elevou o superávit primário. A
intensidade da reação contrária de muitos analistas - ligados ao mercado
financeiro, sobretudo - revela a dificuldade de efetivar-se mudança na política
econômica, por mais limitada que seja. É
reveladora da força da convenção pró-conservadorismo na política monetária.
A firmeza do BC diante da saraivada de críticas recebidas também mostra uma nova postura da instituição, marcada por maior
independência em relação ao mercado financeiro.
É inegável que no governo
Dilma Rousseff houve uma mudança na política econômica. Entretanto, essa
alteração, além de incipiente, é parcial e limitada. Por um lado, o tripé foi, essencialmente, mantido. Assim,
não se pode falar em profunda reformulação na política econômica. Por outro,
verificou-se atuação mais ativa da Fazenda, sobretudo mais coordenada com o BC,
no combate à inflação.
O BC, por sua vez, adotou medidas de controle
de crédito, complementares à taxa Selic. É
uma clara tentativa de diversificação dos instrumentos de política monetária
que resulta do reconhecimento, ainda que tácito, de que a Selic tem limitada
eficácia no combate à inflação e que, portanto, seu uso é muito custoso.
Trata-se de mudança na direção certa e que deveria ser aprofundada.
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