Que bom poder ler na VEJA desta semana uma matéria que fala de uma visão ainda mais liberal para a Economia.
Há dois anos, uma crise inaudita eclodiu nos Estados Unidos e arruinou as finanças de países inteiros. Críticos de esquerda regozijaram-se pelo abalo de um dos pilares do capitalismo, o livre mercado, e culparam a cobiça desenfreada de banqueiros pelo crash. Já os economistas do mainstream, representantes do consenso capitalista que administra os países mais maduros do planeta, reconheceram que houve falhas, como a ausência de um sistema regulatório mais eficiente para controlar fraudes e a especulação predatória. Apesar da vala mental que separa essas duas visões de interpretar o mesmo fenômeno, ambas convergiram na prescrição do remédio destinado a combater a recessão mundial. Recomendaram, em doses distintas, a ampliação da presença do governo, pelas vias do aumento dos gastos públicos, e também o acirramento da regulação financeira. Entretanto, há quem pense de forma diferente. Trata-se dos economistas da Escola Austríaca, uma corrente coesa de ultraliberais que exonera os propagandeados vícios do capitalismo dessa história. Segundo eles, foram na verdade as intervenções do governo que proporcionaram a crise. Mais do que isso, acreditam que o remédio que tem sido usado pelos governos mundiais, sobretudo o despejo de somas maciças de recursos estatais, é inadequado e trará mais problemas no futuro.
Na semana passada, o Instituto Ludwig von Mises, que congrega adeptos dessa corrente, realizou em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, o I Seminário de Economia Austríaca do Brasil. Em dois dias, foram debatidos os acontecimentos recentes da economia mundial, assim como o receituário heterodoxo e radical desses pensadores. Embora centenária e influente no passado, essa escola esteve, nos últimos anos, à margem do pensamento dominante. No século XX, os seus dois teóricos mais proeminentes foram Ludwig von Mises (1881-1973) e o ganhador do Nobel Friedrich von Hayek (1899-1992). Ambos tiveram papel notável na exposição das fragilidades intrínsecas do planejamento econômico e na condenação do socialismo, num momento em que boa parte daintelligentsia mundial via com fascínio o avanço soviético. Os escritos de Mises e Hayek acabaram por inspirar as reformas liberais que começaram nos anos 80. Agora seus seguidores propõem uma recuperação dessas ideias para oferecer uma alternativa em relação ao novo consenso que se forma no mundo pós-crise.
"A crise que vivemos hoje teve início com políticas do governo que levaram à formação de uma bolha especulativa no mercado imobiliário", sentencia o historiador Thomas Woods, autor do best-seller Meltdown, sobre o recente crash. Para Woods e seus colegas, isso pode ser comprovado por causa do papel que tiveram as empresas de hipotecas Fannie Mae e Freddie Mac. Embora privadas, elas tinham um status privilegiado, porque dispunham de uma linha de crédito especial do governo para estimular a venda de casas a pessoas de baixa renda. Juntas, detinham 75% das hipotecas dos americanos. A política de estimular a venda de casas para quem não possuía a menor condição de assumir os compromissos de um financiamento imobiliário foi potencializada pelos juros extremamente baixos. Quando Alan Greenspan, o ex-presidente do Federal Reserve estava no comando, a taxa básica permaneceu abaixo da inflação por mais de dois anos. A facilidade de adquirir um imóvel incendiou a demanda e os preços subiram rapidamente. Entre 1998 e 2006, as casas americanas ficaram 150% mais caras. Mais tarde veio a onda de calotes, e os preços desabaram. Para os austríacos, tanto os subsídios como os juros baixos demais foram erros que só podem ser atribuídos ao governo. "Os preços estavam fora da realidade. Criou-se uma prosperidade artificial e insustentável", diz o economista americano Mark Thornton, especialista em bolhas financeiras. O setor imobiliário foi ao chão e arrastou consigo o mercado financeiro. "Não fossem as investidas do governo, nada disso teria tomado as atuais proporções. Por isso dizemos que essa crise é do intervencionismo, e não do liberalismo", conclui Woods.