Economia
Tiro à OTA
No decurso da passada semana, o Primeiro-Ministro José Sócrates concretizou mais duas inversões de opinião e decisão sobre matérias de relevo da vida política nacional, avançando com a Rectificação do novo Tratado da Europa no Parlamento e alterando a localização do futuro Aeroporto de Lisboa para o Campo de Tiro de Alcochete.
Se, na sua essência prática, ambas as decisões são positivas, os contornos desta inversão da posição de José Sócrates deve suscitar reflexões distintas aos observadores e à generalidade dos cidadãos.
No primeiro caso, tratou-se de uma avaliação estritamente política, aparentemente pouco pacífica no próprio Partido Socialista, dos méritos de uma iniciativa que traduzindo um compromisso eleitoral do PS apenas redundaria num mero simulacro de democracia, lançando para o debate público um tema manifestamente estranho para a esmagadora maioria dos Portugueses.
Caso avançasse o Referendo, as motivações para a assunção de diferentes posições pelos eleitores dificilmente contenderiam com a matéria em apreço, tendo prevalecido os compromissos assumidos com os nossos parceiros europeus na antecâmara da assinatura do Tratado de Lisboa.
Já no que se refere ao novo Aeroporto, recorde-se que a decisão de localização desta infra-estrutura na OTA vem já do tempo dos Governos de António Guterres e foi dada inúmeras vezes como inamovível por parte dos actuais responsáveis governativos, do Primeiro-Ministro ao Ministro das Obras Públicas, Mário Lino.
Neste período, terão sido feitos diversos estudos, em que se investiram algumas dezenas de milhões de Euros, que mais uma vez asseguravam ser a opção da OTA perfeitamente sustentada e a melhor alternativa para a localização do novo aeroporto.
Ao longo dos últimos anos, todavia, muitos contestaram tal opção invocando razões de localização estratégica (desde logo, a maior concorrência que seria feita ao Aeroporto Sá Carneiro), de engenharia (face à natureza do terreno), de segurança e operacionalidade e até de transparência (atendendo a pretensos movimentos imobiliários que estariam na base de tal obsessão).
Até há pouco mais de um ano, porém, poucos avançaram com um estudo verdadeiramente fundamentado de alternativas, como o fizeram a CIP – Confederação da Indústria Portuguesa, primeiro, e a Associação Comercial do Porto, depois, ambas convergindo na ideia de que a opção OTA seria um erro crasso que iria desperdiçar um largo volume de recursos do nosso estrangulado Orçamento.
Mesmo confrontado com tais conclusões, o Ministro das Obras Públicas assumiu de forma disparatada a sua obstinação com diversas declarações já hoje profusamente difundidas e satirizadas, do “Margem Sul, jamais!”, ao desabafo de que aquilo “é um deserto, onde não há gente, não há hospitais, não há escolas, não há hotéis, não há comércio, pelo que seria preciso levar para lá milhões de pessoas”, o que seria “um projecto megalómano e faraónico”.
A verdade é que o Governo decidiu solicitar novo estudo ao LNEC - Laboratório Nacional de Engenharia Civil, que veio novamente a concluir pela maior segurança, economia e operacionalidade da opção Alcochete face à OTA, sem que sejam visíveis significativos danos ambientais.
No estudo do LNEC, Alcochete bate a OTA por 4-3, apresentando melhores argumentos nos seguintes critérios: na Segurança, eficiência e capacidade das operações do tráfego aéreo; na Competitividade e desenvolvimento económico e social; na Sustentabilidade dos recursos naturais e riscos; e na Avaliação financeira (com uma poupança de aproximadamente 200 milhões de Euros), com especial ênfase para os dois primeiros.
Em contrapartida, a OTA salvaguarda melhor a Conservação da natureza e biodiversidade; a articulação com os Sistemas de transportes terrestres e acessibilidades e o Ordenamento do território.
Em relação a estas duas últimas vertentes, a Resolução do Conselho de Ministros da passada semana não só homologa o relatório do LNEC, aprovando preliminarmente a localização do referido aeroporto na zona do Campo de Tiro de Alcochete, mas também mandata o Ministro das Obras Públicas para promover a elaboração de “todos os demais estudos, consultas institucionais e actos que se afigurem necessários à implementação do projecto”, designadamente no que se refere à adequada inserção de uma Terceira Travessia do Tejo (Chelas-Barreiro) nos sistemas viários do Barreiro e de Lisboa, com vista a assegurar a maior eficiência do seu funcionamento e a maior fluidez do tráfego rodoviário.
Ao contrário do que seria desejável, um investimento desta dimensão será finalmente concretizado mas sem que se assegure um amplo consenso nacional.
É, porém de realçar a intervenção atenta do Presidente da República, a dinâmica cívica das Associações Empresariais e, até, a humildade tardia do Governo em aceitar a solução tecnicamente mais vantajosa. Que sirva de exemplo!
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