Economia
Thomas Piketty e Elio Gaspari - O capital no século 21.
Leio hoje na FOLHA o comentário de Elio Gaspari sobre o livro "Capital" do Thomas Piketty, atual destaque no mundo da Economia.
Amanhã o Metropolitan Museum de Nova York abre
a escadaria para o baile anual do seu instituto de moda. A entrada custa US$ 25
mil, e o freguês terá passado pela seleção de Anna Wintour, a bruxa do filme
"O Diabo Veste Prada", diretora da revista "Vogue", czarina
da moda e princesa do mundo das celebridades. O "Met Gala" é o tapete
vermelho mais bonito, rico e exclusivo do mundo. Quem não tiver a graça de
pisá-lo poderá ir para um bar discutir o livro "Capital", do
professor francês Thomas Piketty. Por caminhos diferentes, estará no mesmo
mundo.
Piketty escreve com a elegância com que a
atriz Gwyneth Paltrow se veste. Montado num banco de dados rico como a vitrine
da joalheria Cartier, o professor é claro: o mundo entrou num período de
concentração da renda. As pessoas e os países ricos ficarão mais ricos. Para as
nações emergentes, inclusive o Brasil, fica a suspeita que crescerão a taxas menores.
Nos Estados Unidos, essa época de ostentação
da riqueza é comparada à "Gilded Age", que foi do fim do século 19 ao
início do 20. A expressão designava uma abastança exuberante, porém
superficial. Piketty não a usa, fala mais na "Belle Époque" francesa.
A diferença está no fato de que uma teve o escritor Marcel Proust, e a outra,
bilionários vulgares, cuja ideia de refinamento levava-os a copiar castelos e
casar as filhas com nobres europeus quase sempre falidos, jamais monógamos,
talvez heterossexuais. (Só na cesta dos duques, compraram 22.)
Durante a festa do século 19 também
pontificava um jornalista. Ele organizava o baile anual de Caroline Astor e
dizia que a elite de Nova York tinha 400 pessoas, o número de convidados que
cabiam no salão da milionária. Na lista de La Wintour, entram 700 convidados.
Ela é uma jornalista cuja determinação, instinto estético e visão comercial
deveriam ser matéria de estudo para quem entra nesse ramo da profissão. (O
teste de que uma pessoa é desprovida do sentimento da inveja está em
admirá-la.) Wintour perfilhou o instituto de moda do Metropolitan, para quem
vai o dinheiro dos ingressos. A partir de amanhã a nova ala de roupas do museu
levará seu nome. Será inaugurada por Michelle Obama.
O baile de Piketty tem a harmonia de uma
valsa. No início do século 20 os 1% que estavam no andar de cima ficavam com
20% da renda dos Estados Unidos e da Inglaterra. Até 1980 essa riqueza encolheu
à metade, mas, a partir daí, voltou a crescer e retornou ao ponto inicial. A
queda deveu-se a políticas sociais? Não, foram as duas guerras. Os bilionários
de hoje seriam diferentes, afinal, Bill Gates fez a Microsoft. Tudo bem, mas a
francesa Liliane Bethencourt (L'Oreal) tem US$ 25 bilhões e nunca trabalhou na
vida. Herdou. Entre 1990 e 2010 as fortunas de ambos cresceram 13% ao ano,
apesar de Bill Gates já ter parado de trabalhar.
O "Capital" é um monumento de
pesquisa e elegância. Piketty trabalhou com acervos estatísticos jamais
estudados, e reconhece que isso só foi possível porque apareceu o computador.
Obsessivo, mergulhou até nas listas de bilionários das revistas de negócios,
mesmo ressalvando que têm pouco valor científico. (Os brasileiros que compraram
ações de Eike Batista sabem que é isso mesmo.) Se os números dos bilionários da
"Forbes" merecem pouca fé, as carteiras de investimentos das
universidades americanas merecem toda. Os patrimônios mobiliários daquelas que
têm fundos com mais de um bilhão de dólares cresceram 8,8% ao ano entre 1980 e
2010. Já as pobrezinhas, com menos de 100 milhões, ficaram com 6,1% ao ano.
Harvard, com US$ 30 bilhões, teve rendimentos de 10,1% anuais. (As reservas da
Universidade de São Paulo encolheram.)
Quando Caroline Astor dava seu baile, o andar
de cima sustentava que assim era a vida e o de baixo lotava as ruas para ver a
passagem dos magnatas. A partir de amanhã o mundo poderá ver na rede imagens do
baile de Anna Wintour. Retratará uma época. O "Capital no Século 21"
também está na rede, em inglês, por enquanto. Sai por US$ 21,99.
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