«O cambista e a sua mulher é uma pintura flamenga dos inícios do século XVI, a qual é muito utilizada para representar a actividade económica. Existem duas versões diferentes: uma por Quintino de Metsys, de 1514, e outra de Marinus van Reymerswaele, de 1539. Existem significativas diferenças entre as duas pinturas, diferenças que eu penso terem significado económico.
«Muitos historiadores de arte vêem nas pinturas de Metsys e Reymerswaele um simbolismo satírico e moralista. O casal seria a representação da ganância. Outros pensam que as pinturas mostram a actividade económica como algo respeitável. Naquele tempo a Flandres era o centro de uma florescente actividade industrial e comercial, e era também o centro de uma actividade mercantil de obras de arte. Ambas as coisas levaram à representação, em pinturas, da actividade de cambistas, ourives e banqueiros, dum modo que mostrava essas profissões como sendo respeitáveis actividades.
«Mas alguns académicos propuseram outras interpretações, mais subtis. Marjorie Grice-Hutchinson, a historiadora do pensamento económico que foi a primeira a chamar a atenção dos economistas para a corrente escolástica espanhola da "Escola de Salamanca", considera a pintura de Metsys como uma ilustração da intenção dos escolásticos em tornar compatível a actividade comercial com a doutrina da Igreja, que condenava a usura [empréstimo de dinheiro a juros]. De acordo com a sua interpretação, a pintura de Metsys representa o usurário a trabalhar e, ao mesmo tempo, a discutir com a sua mulher a bondade de um determinado negócio comercial, ajudados pelo livro religioso que a mulher folheia.
«É importante notar que, 25 anos depois, na pintura de Reymerswaele, já não se trata de um livro religioso mas sim um livro de registos contabilísticos. Ainda assim os historiadores de arte defendem que há uma intenção satírica e moralizadora. Segundo eles, o simbolismo seria evidente para as pessoas da época, mas não para nós. Por exemplo: os dedos longos e curvados do casal de burgueses, alegadamente, representariam a avareza. Mas Reymerswaele, num outro quadro, pintou as mãos de São Jerónimo do mesmo modo, portanto a intenção deve ser estética e não simbólica.»