Sonhos
Economia

Sonhos


Que Leda Paulani enfrenta dificuldade com matemática e números é notório; já seus problemas com interpretação de texto são uma triste surpresa. Ela me acusa de não ter compreendido o “substantivo” de sua defesa da política econômica vigente até 2014, mas não conseguiu entender o ponto central da minha crítica.

Não se trata da necessidade de olhar a evolução da dívida relativamente ao PIB, embora tenhamos também que fazer isto. Fico, porém, chocado que sua única resposta à rápida elevação desta relação seja apontar o dedo para o que ocorreu entre 1997 e 2002 e dizer que a dívida cresceu ainda mais rapidamente. É o equivalente filosófico da justificativa que dava à minha avó quando aprontava alguma: “Joãozinho também fez”.

Vó Elvira, professora primária das antigas, não caía nesta e nem deve o leitor. Mesmo porque, ao contrário do que Leda, perdida em devaneios, afirma, houve literalmente dezenas de estudos à época discutindo precisamente a questão da sustentabilidade da dívida, muitos com conclusões pessimistas, nenhum dos quais, tenho certeza, foi chamado de “terrorismo econômico” por ela. E, diga-se de passagem, o mercado reagia muito mal a sinais de problemas na área fiscal, bem mais do que reage hoje, aliás, como fica claro pela evolução das medidas de risco soberano então.

Também me espanta sua incapacidade para distinguir o aumento do déficit fiscal (o que economistas denominam de “movimentos na margem”) de seu tamanho absoluto. No ano passado o déficit do setor público dobrou, saltando de 3,1% para 6,2% do PIB. Do aumento de 3,1% do PIB, cerca de ¾ (2,4% do PIB), se devem à piora do saldo primário, ficando o restante por conta do aumento da conta de juros.

Aliás, quem segue estes números de perto sabe também que um bom pedaço deste aumento reflete, na verdade, o prejuízo com a venda de dólares no mercado futuro, mecanismo que o BC usou justamente para tentar conter a inflação em lugar de aumentar a taxa de juros. Medida a preços de hoje, a despesa de juros aumentou em R$ 49 bilhões no ano passado; destes, R$ 17 bilhões (1/3 do aumento) referem-se às perdas no mercado de câmbio.

Na escala do espanto, porém, a campeã é a expressão: “não venham me dizer (...) que a taxa de juros estratosférica [outro adjetivo!] é necessária para conter a inflação”.

Ao contrário do que Leda parece acreditar, esta não é uma crença a priori; há uma montanha de evidência empírica que indica ser este exatamente o caso. Não sou eu quem afirma isto, nem “meus pares”, mas os dados e a experiência de gestão de política monetária desde o início do regime de metas para a inflação no Brasil.

Por exemplo, quem não passou os últimos quatro anos sonhando há de ter notado que o BC reduziu na marra a taxa Selic e, graças a isto, coadjuvado por um aumento sem precedente do gasto primário, colheu inflação no teto da meta, apesar do controle de preços e taxa de câmbio.

O substantivo nesta história toda é simples: até o final do ano passado o governo fez o que Leda e “seus pares” recomendavam (tanto que assinaram manifestos de apoio à política econômica); o resultado foi um fracasso retumbante.


Leda pode sonhar o que quiser; só não pode exigir que partilhemos o pesadelo dos últimos 4 anos.

Tudo era apenas uma brincadeira e foi crescendo...

(Publicado 4/Jun/2016)



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