Economia
Santos e pecadores
Se há algo que, sendo por vezes incontornável, me causa algum desconforto, como sempre sucedeu ao longo dos últimos onze anos de “colunista económico”, é a circunstância de ter que escrever sobre alguém com quem tenho alguma proximidade.
Desde logo porque, a ser por boas razões, temo estar a ser parcial no juízo efectuado, vendo a racionalidade ser toldada por outros factores de natureza emocional.
Pelo contrário, quando me vejo forçado a assumir uma postura crítica do desempenho, da conduta ou do discurso de alguém que merece o meu apreço, hesito sempre entre a tentação da condescendência e o receio dos danos que podem resultar de tal opinião, quanto mais não seja no plano das relações pessoais.
Em verdade, este é um desses momentos.
O “meu” Professor Fernando Teixeira dos Santos, hoje reconhecido por todos os Portugueses na sua qualidade de Ministro das Finanças, é uma pessoa com quem sempre cultivei uma óptima relação e a quem reconheci o valor associado às suas capacidades técnicas e científicas, a sua ponderação e bom senso, a postura determinada na defesa das suas convicções e a capacidade para estabelecer bases de entendimento em contextos de disputa de interesses.
Foi assim que sucedeu no nosso relacionamento professor/aluno, nas participações comuns em diversos órgãos de gestão da Faculdade de Economia do Porto e em diversos contextos profissionais posteriores.
Apesar da experiência “nacional” que resultava da Presidência da CMVM – Comissão do Mercado de Valores Mobiliários e da passagem pela Secretaria de Estado das Finanças com Sousa Franco no primeiro Governo de António Guterres, a sua indigitação para Ministro das Finanças após a ruptura de Luís Campos e Cunha acabou por ser uma boa surpresa.
Em particular durante o primeiro mandato de José Sócrates, e pese embora a falta de sentido político que pautou algumas das suas intervenções públicas (muitas vezes em abono da sua própria credibilidade), Teixeira dos Santos assumiu-se como um Ministro disciplinado e disciplinador, mas com resultados pouco sensíveis no processo de consolidação orçamental.
Aqui, tal como transpareceu para a própria opinião pública, o Ministro das Finanças ficou várias vezes com o ónus das opções menos simpáticas do ponto de vista político, entrando até diversas vezes em contradição com outros colegas do Executivo e com o próprio Primeiro-Ministro, José Sócrates.
Nesse período, Teixeira dos Santos construiu uma aura de uma espécie de “grilo falante” da governação socialista - qual consciência última dos despautérios praticados pelos Governos de Sócrates -, numa tarefa tão louvável quanto mal sucedida por entre a cultura do desperdício, da tomada de assalto do aparelho de Estado e do populismo reinante, em especial em períodos pré-eleitorais.
Percebeu-se, pois, a saturação com que atingiu a fase final desse mandato e as expectativas publicamente ventiladas de uma “reforma dourada” que pudesse recompensar devidamente os serviços prestados à Pátria no exercício dessas funções.
Acontece, porém, que esse exílio não se consumou e que, continuando Ministro das Finanças, Teixeira dos Santos se vê confrontado com uma conjuntura política, económica e financeira cada vez mais agreste, à medida que se altera a conjuntura internacional (ou a perspectiva como a envolvente olha para situações como a portuguesa) e que, sobretudo, se vai descobrindo o muito lixo que a Governação de Sócrates procurou esconder debaixo do tapete.
Sem a solidariedade política e efectiva do resto do Executivo e do Primeiro-Ministro – sistematicamente mergulhados numa lógica de facilitismo e deslumbramento que muito condicionou as nossas possibilidades de mitigar de forma atempada os graves problemas que o País hoje enfrenta -, sem a capacidade política para gerir melhor algumas das suas intervenções públicas recentes e, porventura, sem a visão ou a vontade para encontrar soluções efectivas para os problemas existentes, Teixeira dos Santos tornou-se um dos rostos do colapso do Governo, do seu irremediável fracasso nas metas traçadas, em particular na esfera orçamental, e da nossa condenação colectiva a um prolongado período de “vacas magras”.
Nesta fase, invocar situações como os deslocados ataques aos Presidentes de Junta de Freguesia, as críticas à “falta de patriotismo” da PT no processo dos dividendos, a famigerada entrevista ao Expresso em que colocava a taxa de juro de 7% sobre a nossa dívida soberana como o limiar para a intervenção do FMI, ou os atrasos e erros técnicos do OE/2011 são meros apontamentos no turbilhão de incidências que já conduziram à sua “nomeação” como “Pior Ministro das Finanças da União Europeia” em diversos media internacionais de relevo.
Sejamos claros: pessoalmente, continuo a achar que Teixeira dos Santos não é aquilo que hoje parece.
Mas, como se pode beber da sabedoria popular, “Diz-me com quem andas…”
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