Economia
Por que não somos japoneses.
Uma aula de Economia hoje na Folha de S. Paulo com o Professor Samuel Pessoa.
Em entrevista ao jornal "Valor Econômico", na quinta-feira
passada, a professora da FEA-USP (Faculdade de Economia e Administração da
Universidade de São Paulo) Leda Paulani, decepcionada com a alteração do regime
de política econômica no segundo mandato da presidente Dilma, fez a seguinte
pergunta:
"Qual é o problema de um país como o Brasil, pobre ainda, tendo de
se construir como nação, fazer um deficit público de 6,7% do PIB? Por que o
Japão pode ter 9% de deficit nominal e ninguém acha que o Japão está quebrado,
acabado, destruído, descontrolado, sem condição?".
A resposta à pergunta da professora é que a inflação no Japão é próxima
de zero, e a taxa de juros, também. Juros e inflação baixíssimos sugerem que há
carência de demanda agregada. Nosso caso é exatamente o oposto. Temos inflação
elevadíssima, que deve fechar 2015 na casa de 8,5% ao ano, apesar de os juros
reais serem altíssimos. Ou seja, temos excesso de demanda agregada.
Se perguntarmos por que há carência de demanda agregada por lá e excesso
por aqui, chegaremos à taxa de poupança. A taxa de poupança no Japão será em
2015, segundo a mais recente avaliação do FMI, de 23% do PIB. Para o Brasil,
segundo a mesma fonte, o número será de 15%.
A diferença de oito pontos percentuais entre o Japão e o Brasil é enorme!
O motivo é que o Japão tem uma população muito envelhecida e taxa de
crescimento populacional negativa. É natural que a taxa de poupança seja
relativamente baixa para economias com relativamente muitos idosos.
O Brasil, ao contrário, do ponto de vista demográfico, encontra-se no
período em que a taxa de poupança deveria ser máxima. Assim, a taxa de 15% do
PIB hoje é ridícula comparada à de 20% que tínhamos nos anos 1970, quando a
proporção de crianças era muito maior.
Também é ridícula se compararmos com mais de 30% de taxa de poupança
que o Japão apresentava quando estava sendo construído e com os 23% que o
envelhecido país tem hoje.
Para entendermos a carência de demanda agregada no Japão e o excesso de
demanda agregada no Brasil, temos que olhar não somente a elevada poupança lá e
a baixa cá mas também o investimento --que, relativamente à poupança doméstica,
é baixo lá e elevado aqui. A taxa de investimento no Japão será em 2015,
segundo o FMI, de 21% do PIB, abaixo da taxa de poupança de 23%. Para o Brasil,
o investimento será, segundo a mesma fonte, de 19%, bem acima da poupança, de
15%.
Lá temos elevada poupança, investimento baixo, apesar de superior ao
brasileiro, juros baixos e inflação baixa. Aqui temos poupança baixa, investimento
(relativamente) elevado, juros elevados e inflação alta. A produtividade do
trabalho lá é quatro vezes a nossa, e a posição líquida internacional de
investimento do Japão é credora. Fica evidente o porquê de eles poderem ter
deficit de 6,7% do PIB lá e nós não podermos aqui!
Nos seis anos que vão de 2009 até 2014, tentou-se baixar os juros na
marra e aceitar um "pouquinho" mais de inflação, além de inúmeras
outras medidas. O receituário defendido pela professora na entrevista, a nova
matriz econômica, foi adotado por seis longos anos.
Alguns analistas, entre os quais me incluo, atribuem os desequilíbrios de
nossa economia e o desempenho ruim no período 2008-2014 relativamente aos
demais países da América Latina à nova matriz econômica. Outros, entre os quais
a professora, pensam que a responsabilidade é da crise internacional. Debate em
aberto na academia.
A entrevista da professora sugere que a alteração do regime de política
econômica foi forçada pelo terrorismo do mercado. Longe disso. O tempo da
política não espera os acadêmicos pacificarem suas divergências. Os políticos
petistas, liderados por Lula, forçaram a alteração da política econômica.
Entenderam que a nova matriz econômica deu com os burros n'água e estão
tentando salvar 2018.
Na democracia, os políticos têm a penúltima palavra, a última fica com os
eleitores. A professora precisa se perguntar por que os economistas ditos de
esquerda perderam o debate após seis anos de experimentalismo. A teoria
conspiratória do "terrorismo do mercado" não cola.
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