Olecranoalgia
Economia

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Em outros tempos classificaria o choramingo de Luiz Gonzaga Belluzzo sobre a alteração da política econômica como dor-de-cotovelo.  Já hoje estou convencido de que se trata precisamente disto. Depois de capitanear há pouco um manifesto a favor da presidente e da política então vigente, afirma não considerar a mudança “uma traição, e sim, submissão”. A presidente teria capitulado “diante das pressões de mercado, assim como os líderes europeus”. Parece menos grave do que “traição”, mas o efeito final é o mesmo: ao menos por ora o governo não parece (ainda bem!) disposto a seguir suas recomendações.

Mansidão à parte, é claro que houve capitulação. Não, é bom que se diga, diante do “mercado”, esta entidade incorpórea que leva a culpa quando os “keynesianos de quermesse” se sentem traídos. O que levou à rendição foi o desempenho pífio da política econômica que vigorou no primeiro mandato, pela qual Belluzzo, como interlocutor privilegiado da presidente, foi um dos responsáveis.

A “nova matriz macroeconômica” pôs em prática exatamente as prescrições de economistas como ele, que em momento algum discordou do que foi adotado. Do lado fiscal o gasto federal cresceu como nunca, atingindo no ano passado um aumento de R$ 193 bilhões relativamente ao observado em 2010, já deduzida a inflação. Disto, menos de R$ 20 bilhões correspondeu a investimento adicional, mesmo colocando no bolo a partir de 2013 os gastos ligados ao Minha Casa, Minha Vida, o que superestima a ampliação do gasto de capital.

Os bancos públicos também emprestaram como se não houvesse amanhã. Apenas no BNDES o volume de crédito saltou de 9,4% para 12,1% do PIB em quatro anos (R$ 170 bilhões em dinheiro de hoje), praticamente todo financiado pelo aumento da dívida do Tesouro Nacional, cujos repasses para o banco atingiram R$ 160 bilhões no período.

Seguindo as recomendações da “nova matriz”, a moeda sofreu desvalorização. Além das intervenções regulatórias (limites às vendas de dólar, IOF sobre ingressos, etc.), o Banco Central comprou cerca de US$ 63 bilhões em 2011 e 2012, trazendo o dólar de R$ 1,60-1,70 para R$ 2,10-2,20 entre 2011 e meados de 2013. No mesmo intervalo as demais moedas latino-americanas se apreciaram relativamente ao dólar, sugerindo que se tratou de política deliberada e não um movimento global, como o observado nos últimos meses.

Já o BC, mesmo em face de inflação acima da meta e crescente, insistiu em reduzir a taxa de juros de 2011 a 2012. Apenas a ameaça da inflação superar o limite máximo de 6,5% é que fez o Copom correr, tardia e relutantemente, atrás do prejuízo.

Por fim, com as dificuldades de conter a inflação, houve recurso a controles diretos de preços, dos combustíveis à energia, passando pelas tarifas de ônibus urbanos, intervenção tosca que desarticulou, entre outros, os setores sucroalcooleiro e energético, para não mencionar o desastre nas finanças da Petrobras, que se tornou a empresa de petróleo mais endividada do mundo.

Os resultados estão aí: crescimento de 1,5% ao ano, inflação superior a 6% ao ano, déficits externos crescentes e uma dívida pública que saltou de 53% para 63% do PIB (aumento de R$ 1,2 trilhão). Em português castiço: deu com burros n’água...

A política agora adotada vem para corrigir as bobagens cometidas em nome da “nova matriz”, alegremente apoiada por Belluzzo. Já dizia Guimarães Rosa: “sapo não pula por boniteza, mas porém por precisão”.

Na ausência do ajuste fiscal não há como permitir o encarecimento do dólar sem efeitos ainda mais perversos sobre a inflação (enquanto na Europa, ele parece ignorar, o problema é a deflação), nem como reverter a tendência de aumento da dívida pública.


Há de custar caro? Há, mas o custo de por em casa em ordem, é bom deixar claro, é responsabilidade daqueles que a desarrumaram e Belluzzo fez parte, com gosto, deste time, não por acaso a caminho da Segundona.

Ai...


(Publicado 21/Jan/2014)



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