O discreto charme do fracasso
Economia

O discreto charme do fracasso



Durante os anos em que vigorou no Brasil o “tripé macroeconômico” (câmbio flutuante, metas para a inflação e um compromisso sério com o superávit primário) cansei de ouvir economistas que prometiam o paraíso caso o país abandonasse o regime. Não se trata de caricatura. Basta ver o tanto de tinta usado para afirmar que todos os problemas do país se resumiam a dois preços “fora de lugar”: a taxa de câmbio e a taxa de juros; portanto, uma vez “corrigidos” estes preços, o caminho para o crescimento se acharia desimpedido.

Este desejo de mudança foi atendido. Desde 2009 não sabemos o que é ter inflação na meta (está no intervalo permitido, mas – vejam que curioso – sempre na sua parte superior, mais perto do teto que da meta). Já de flutuante a taxa de câmbio só preservou o nome, encaixotada entre R$ 2,00 e R$ 2,10/US$. Por fim, em apenas um dos últimos quatro anos a meta de superávit primário foi atingida sem artifícios contábeis.

A valer o que esse pessoal assegurava, a economia brasileira deveria estar crescendo a taxas aceleradas, mas, bem sabemos, não é o caso. Depois de aumento medíocre em 2011, a expansão do PIB não deve ter superado 1% no ano passado e, apesar da nova rodada de promessas dos elfos videntes, provavelmente nos encaminhamos para mais um ano de baixo crescimento em 2013 (cerca de 3%). Não bastasse isso, o investimento cresce como rabo de cavalo, caindo por cinco trimestres consecutivos (provavelmente seis, mas isto só se saberá em março).

Economistas sérios se aproveitariam disto para tentar entender o que deu errado. Já o presidente da Associação Keynesiana Brasileira, antro da fina flor dos “keynesianos de quermesse”, prefere inovar. Segundo artigo cometido no jornal Valor Econômico na semana passada, a culpa pelo baixo crescimento é a “herança maldita”, isto é, o regime de política econômica (“ortodoxa”) que vigorou no país.

Sob outras condições chegaria a ser engraçado: o mesmo regime não impediu a economia de crescer em torno de 4% ao ano (e o investimento mais do que isso, vindo de 15% para 19% do PIB), mas, em virtude de alguma mágica não explicitada, seria atualmente o responsável pelo baixo desempenho, e isto durante o período em que foi solenemente abandonado. Segundo tal lógica a causa da obesidade não é comer muito e se exercitar pouco, mas sim ter, anos atrás, comido pouco e se exercitado muito...

Ainda no domínio impecável da lógica, o líder quermesseiro afirma que não se pode comparar o Brasil aos demais países latino-americanos (Chile, Colômbia e Peru) para avaliar o efeito negativo dos fatores externos sobre o crescimento porque se tratam de economias “de pequeno porte (...), cujo dinamismo é derivado primordialmente da exportação de commodities e produtos agrícolas”.

Parece ter esquecido que economias deste tipo são precisamente as que mais sofreriam, seja em termos de crescimento, seja de investimento, caso a origem da desaceleração econômica fosse a crise externa. Seu desempenho superior ao brasileiro em ambos quesitos, pelo contrário, apenas reforça a noção que os problemas nacionais têm origem doméstica.

A verdade é que a cada dia se torna mais claro que as promessas de aceleração do crescimento pela adoção de um novo regime de política econômica não se materializarão. Mesmo sabendo que a estabilidade não é condição suficiente para o crescimento acelerado, ela não deixa de ser condição necessária, e os custos do abandono do tripé se tornam crescentemente visíveis, em particular no campo inflacionário, piorando o ambiente em que as empresas tomam suas decisões de investimento.

Só o discreto charme do fracasso, na definição precisa de Mário Mesquita, justifica o espaço dedicado àqueles que, mesmo confrontados com o fiasco de suas proposições, ainda se arrogam o direito de negar o que a realidade insiste em revelar.

“Aha: só pode ser culpa da herança maldita!”


(Publicado 16/Jan/2013)



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