Economia
O avesso do avesso
Imagine que alguém resolva comprar um título público, cujo rendimento, fixo por um ano, seja 13% ao ano naquele momento. Sem recursos, no entanto, o investidor toma emprestado, prometendo pagar a seus credores a taxa Selic, que, também naquele instante, é de 12,5%. Assim, caso a Selic não se altere no período, ele ganhará 0,5% ao ano sobre esta aplicação. Parece dinheiro de graça, mas, como isso não existe, é necessário saber onde está o truque.
Na verdade, o “truque”, ou melhor, a condição essencial para que este investimento seja rentável é que a taxa Selic seja menor do que a taxa de retorno do papel em que os recursos foram aplicados. Assim, caso o BC eleve a Selic o investidor perderá dinheiro; por outro lado, se o BC decidir pela redução da Selic, deve ficar claro que o aplicador ganhará ainda mais do que esperava.
Este resultado parece estranho. Contudo, quem prestou atenção no exemplo acima deve ter notado que se trata de uma descrição muito estilizada da operação de um banco, que toma recursos de clientes tipicamente pagando uma taxa de juros associada à Selic (o CDI), enquanto aplica estes recursos majoritariamente em ativos (títulos e empréstimos) cujas taxas de juros são fixas ao longo da vida da aplicação.
De fato, segundo números do BC relativos a setembro (quadro 31 da nota à imprensa relativa à política monetária e operações de crédito), os empréstimos a taxas fixas dos bancos atingiram quase R$ 720 bilhões, enquanto os ligados ao CDI chegaram a pouco mais de R$ 200 bilhões. Já no que se refere aos títulos públicos (quadro 37 da nota à imprensa relativa à política fiscal), o montante de papéis de taxa fixa (prefixados e indexados à inflação) era de R$ 1,1 trilhão ao final de setembro, enquanto os indexados à Selic (incluindo operações compromissadas) montavam a cerca de R$ 920 bilhões.
Já do lado da captação dos bancos os dados mais recentes revelam que os depósitos à vista (sobre os quais os bancos não pagam juros) representavam R$ 140 bilhões, enquanto os depósitos a prazo (remunerados pelo CDI) eram R$ 865 bilhões.
Sob tais circunstâncias, a saber, passivos indexados ao CDI e ativos majoritariamente a juros fixos, vale a conclusão inicial: a queda da taxa Selic (portanto do CDI) baixa o custo dos recursos para os bancos, sem alterar, porém, o rendimento da maior parte da sua carteira de empréstimos e títulos. Ou seja, a redução da Selic eleva os lucros bancários (portanto, a elevação da Selic reduziria seus ganhos), conclusão oposta à do senso comum.
Já que garanti minha cota de protestos, posso antecipar alguns dos argumentos em contrário (o que vai aumentar os protestos, mas fazer o quê?). Alguns dirão que o lucro dos bancos vem dos spreads (a diferença entre a taxa de aplicação e captação de recursos), o que é verdade, mas, se bem leram o que foi escrito acima, terão notado que a queda da Selic leva precisamente ao aumento do spread nos empréstimos já existentes, como definido acima.
Quanto aos novos empréstimos, o efeito sobre o spread não é claro (cai o custo de captação, mas não sabemos a priori se a taxa de aplicação cai mais – ou menos – que o CDI). Por outro lado, mesmo que o spread não caia, o barateamento do custo do dinheiro deve aumentar o volume de empréstimos, de modo que, também por este canal, a redução da Selic deve ser positiva para os bancos, assim como a queda no preço de qualquer insumo é vantajosa para a empresa que o utiliza.
Obviamente não prego aqui que não se deva baixar a Selic porque bancos ganham com isso. Mostro apenas que a crença que bancos ganham dinheiro quando o juro sobe (e vice-versa) não sobrevive a uma análise mais detalhada. Por conseqüência, a visão de que o BC mostrou independência (dos bancos) ao diminuir a taxa de juros fica reduzida à sua real dimensão: uma rematada tolice.
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A realidade é mais estranha que a ficção |
(Publicado 9/Nov/2011)
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