Economia
Moeda europeia ou estrangeira?
Luiz Carlos
Bresser-Pereira, hoje na FOLHA DE S. PAULO, comenta que o erro fundamental do
euro é o de ser uma moeda que os países não têm o poder soberano de
emitir.
O euro ainda
pode ser salvo? Esta pergunta faz sentido porque há muitos analistas
apressando-se a anunciar que o euro falhou e está condenado a desaparecer. Hoje
está claro que o euro foi uma ideia arriscada, que afinal apresentou mais
problemas do que soluções, mas é cedo para dizer que fracassou. Toda a
questão nestes tempos anormais em que afligem a zona do euro está em saber se
os europeus continuarão a ter uma "moeda estrangeira" como é hoje o
euro ou a transformarão em uma moeda nacional europeia.
O erro
fundamental do euro é o de ser uma moeda estrangeira -uma moeda que os países
da zona do euro não têm o poder soberano de emitir. Ao adotar o euro, os países
renunciaram à sua soberania, porque um requisito fundamental dela sempre foi a
capacidade do Estado-nação de emitir dinheiro quando não tem alternativa para
pagar suas dívidas. O exercício desse poder implica risco de inflação mas, no
caso do euro, esse risco é pequeno. Certamente menor do que o custo que estão
incorrendo os países europeus com esta crise.
Na última
semana, em uma conferência internacional, o título de minha apresentação foi
"No foreign finance, please", porque sei que nada foi pior para um
país do que se endividar em moeda estrangeira. Em vez de promover o investimento
e o desenvolvimento, o endividamento promove a apreciação cambial, o aumento do
consumo, a fragilidade financeira e a crise do balanço de pagamentos. Os países
em desenvolvimento se endividaram em moeda estrangeira por populismo cambial e
porque equivocadamente acreditavam que deveriam "crescer com poupança
externa". Já os países europeus se endividaram voluntariamente em moeda
estrangeira -em moeda que o país não tem a soberania de emitir. Um perfeito
contrassenso apoiado na suposta autorregulação dos mercados.
Mas os
europeus ainda podem tornar o euro uma moeda nacional europeia. Para isto, é
necessário que o Banco Central Europeu (BCE) faça o que estão fazendo os bancos
centrais dos Estados Unidos e do Reino Unido e emita dinheiro para comprar os
título dos países-membros. No caso da zona euro, compre até que sua taxa de
juros atinja um nível normal -momento em que a crise estará terminada.
Isso
implicará, como contrapartida, uma substancial diminuição da autonomia do país
de incorrer em deficit fiscais, e em um severo monitoramento do endividamento
privado que se reflete em conta corrente negativa dos países devedores dentro
da zona.
Os alemães
se opõem a esta monetização da dívida; têm medo de estimular a
irresponsabilidade fiscal. Mas economistas alemães aprovaram a proposta que o
BCE compre a dívida dos países até 60% do PIB, porque sabem qual o custo para
seu país do colapso do euro: quase dois terços das exportações da Alemanha são
realizadas para a zona do euro. Por enquanto, o Norte da Europa aproveitou o
euro para exportar e investir, enquanto que o Sul, para importar e consumir. Ou
essa síndrome perversa é corrigida pelo colapso do euro e a depreciação da
moeda dos países devedores, ou é resolvida tornando o euro uma verdadeira moeda
nacional europeia do Estado-multinação europeu em formação.
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