Economia
Isto é:O fogo amigo de José Serra
Um texto que já não é tão atual, se não estou enganado é de 2009, mas que vale a pena a leitura.
Abraços
Frederico Matias Bacic
O professor João Manuel Cardoso de Mello é o único a fumar na sala do governador e um de seus raros gurus na economia, mas, mesmo assim, não o poupa de críticas - Por Tom Cardoso
José Serra tenta, em vão, espalhar a fumaça que começa a tomar conta de seu gabinete. Tarde demais. O inimigo público número 1 do cigarro, um dos baluartes da lei que proíbe o fumo em lugares fechados, já está completamente envolto por uma imensa névoa de nicotina. À sua frente, um homem de 1,90m fuma despreocupado, alheio aos protestos do político tucano. João Manuel Cardoso de Mello tem intimidade para tanto. Decano da Unicamp, um dos formuladores do Plano Cruzado, ele faz parte do seletíssimo grupo capaz de convencer o governador paulista, famoso pela teimosia, a mudar de ideia.
Sobre futebol e economia não há discordância. João Manuel e José Serra torcem a favor do Palmeiras e contra a política de juros praticada pelo Banco Central. "O governo vem com essa bobagem de economia de serviços, de mercado interno, enquanto as nossas cadeias industriais derretem por causa dos juros estratosféricos", diz João Manuel, durante entrevista à DINHEIRO, concedida do escritório de sua casa, próximo à Facamp - Faculdades Campinas, fundada e presidida pelo economista.
A convergência entre o economista e o governador é tamanha que é possível imaginar como seria um eventual mandato presidencial de Serra apenas ouvindo João Manuel divagar sobre juros, câmbio e política externa. "Primeiro, é preciso fazer urgentemente um pacto desenvolvimentista para poder competir com os chineses, que têm mão de obra barata, juros ridículos e tecnologia de ponta. E, se for necessário, até adotar medidas protecionistas para proteger nossa indústria", afirma João Manuel. "E não há como, claro, manter o câmbio valorizado do jeito que está, afetando nossas exportações."
O fogo amigo continua. Para João Manuel, um eventual mandato presidencial de serra será o espelho de sua personalidade autocentrada. "Ele será o presidente, o ministro da Fazenda, o presidente do Banco Central, o ministro do Planejamento", afirma o economista, que começa, enfim, a falar das virtudes do velho amigo. "O Serra é um fazedor de coisas, não é como o Lula que empurrou o primeiro mandato com a barriga, apenas surfando na boa fase da economia mundial", diz João Manuel. O economista, aliás, não acredita que o governador paulista, caso eleito, irá provocar pânico nos mercados." "ele dará sequência às políticas desenvolvimentistas do governo Lula, que só apareceram agora, em seu segundo mandato, ainda que de forma tímida, pois o PAC avança aos trancos e barrancos."
Mesmo com a promessa de jamais retornar à política, é difícil imaginar João Manuel não exercendo forte influência na vida pública de José Serra. O governador paulista deve sua volta ao Brasil (em 1978) a João Manuel, depois de mais de dez anos exilado por causa de sua atuação como político estudantil durante a ditadura militar. na época, o coordenador dos Institutos da Unicamp, um acadêmico de perfil conservador, ligado aos militares, vivia às turras com os intelectuais de esquerda da universidade. Quando João Manuel que fazia parte da turma de "subversivos", resolveu indicar Serra para fazer parte do quadro da Unicamp, o coordenador, conhecendo o histórico do candidato, negou na hora o pedido.
"Eu, que já sabia a resposta, estava preparado. Um amigo meu, gerente do Banespa em Nova York, havia descoberto que o tal coordenador desviava equipamentos doados para a Unicamp", lembra João Manuel. "Quando contei a história para o cara, ele, branco, disse apenas uma frase: o José Serra está aprovado."
Por coincidência, João manuel foi também professor, muitos anos depois, da provável rival de José Serra em 2010: Dilma Roussef. A candidata do PT à Presidência é, na opinião do economista, uma mulher eficiente e aplicada, metódica como o governador paulista. "acusam a Dilma de ser estatizante, intervencionista, mas se não fosse por seu estilo 'gerentão', o pré-sal nao sairia do lugar, pois o governo Lula não tem ninguém, não tem quadros", afirma João manuel. "Pela primeira vez na história, o País tem dois candidatos capazes de fazer o Brasil crescer de forma sustentável ."
Concedida a entrevista, João Manuel voltou à Facamp. Recebeu dezenas de cumprimentos de alunos - parecia um político em campanha - até chegar na sua sala. exausto por causa do calor campineiro, repousou na poltrona, ligou o ar-condicionado e soltou uma gargalhada, ao lembrar de como José serra sofreu durante os dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso. "ele era contra tudo aquilo, mas ia fazer o que: ir para o PT?", lembra, soltando outra gargalhada. Por um momento, João manuel pensou em fumar. Desistiu. Lembrou que estava em uma universidade e não na sala do governador.
Depois da experiência de dois anos (1985-1987) como membro do grupo de Dílson Funaro, ministro da Fazenda do governo José Sarney, equipe que entrou para a história por ter formulado o confuso e fracassado Plano Cruzado, João quer distância da política. "não volto nunca mais, não tenho estômago para isso. Eu deixei a política mais pobre do que entrei e tive de vender a minha Belina verde (o antigo carro da Ford, hoje fora de linha) para pagar as dívidas", lembra João Manuel que não trabalharia nem para o amigo do peito José Serra. "O último cara com quem quero trabalhar na vida é o Serra. Ele é muito obsessivo. Não quero que me acordem às três horas da manhã cobrando trabalho."
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