Google: a transformação das palavras em mercadorias - por Frédéric Kaplan
Economia

Google: a transformação das palavras em mercadorias - por Frédéric Kaplan


O Google conseguiu estender o território do capitalismo para a própria língua, fazer das palavras uma mercadoria e fundar um modelo comercial inacreditavelmente lucrativo. Quando propõe correções a uma palavra que escrevemos errado ele transforma um material sem grande valor em um recurso econômico rentável.

A história do Google se baseia em dois algoritmos: um, que permite encontrar páginas que respondam a certas palavras, tornou-o popular; o outro, que atribui a essas palavras um valor de mercado, tornou-o rico. O primeiro desses métodos de cálculo, elaborado por Larry Page e Sergey Brin quando eles ainda eram doutorandos na Universidade Stanford (Califórnia), consistia em uma nova definição da pertinência de um site em resposta a uma busca.


 Em 1998, os sites de busca já eram capazes de repertoriar as páginas contendo uma ou mais palavras solicitadas. Mas a classificação acontecia frequentemente de modo ingênuo, contabilizando o número de ocorrências da expressão procurada. À medida que a internet crescia, os resultados oferecidos aos internautas eram cada vez mais confusos. Os fundadores do Google propuseram calcular a pertinência de cada página a partir do número de links de hipertexto apontando para ela. Quanto mais a internet crescia, mais o algoritmo de Page e Brin afinava a precisão de suas classificações. Essa intuição fundamental permitiu que o Google se tornasse, desde o início dos anos 2000, a primeira porta de entrada da internet.

Enquanto muitos observadores se perguntavam como a organização californiana poderia lucrar com seus serviços, a invenção de um segundo algoritmo fez dela uma das empresas mais ricas do mundo. Durante cada pesquisa de um internauta, o Google propõe, na verdade, diversos links associados a publicidades textuais curtas, para sites de empresas. Esses anúncios são apresentados antes dos resultados da pesquisa propriamente ditos. Os anunciantes podem escolher as expressões ou palavras-chave às quais desejam ver sua publicidade associada; por exemplo, pesquisas contendo a palavra “férias”. Eles só pagam a partir do momento que um internauta efetivamente clica no link proposto para acessar o site. A fim de escolher que publicidades apresentar para uma dada pesquisa, o algoritmo propõe um sistema de leilão em três etapas:

− O lance sobre uma palavra-chave. Uma empresa escolhe uma expressão ou uma palavra, como “férias”, e define o preço máximo que estaria disposta a pagar se um internauta entrasse em seu site utilizando esse caminho. Para ajudar os compradores de palavras, o Google fornece uma estimativa de valor a ser proposto para ter boas chances de aparecer na primeira página dos resultados. Os compradores podem limitar sua publicidade a datas ou locais específicos. Mas atenção: como vamos ver, o fato de ter dado o maior lance não garante que você aparecerá em primeiro lugar na página.

− O cálculo da pontuação de qualidade da publicidade. O Google atribui a cada anúncio, em uma escala de um a dez, uma pontuação, em função da pertinência de seu texto com relação à pesquisa do utilizador, da qualidade da página colocada em destaque (interesse do conteúdo e rapidez do carregamento) e do número médio de cliques na publicidade. Essa pontuação mede a que ponto a publicidade funciona, garantindo ao mesmo tempo bons retornos ao anunciante e uma renda significativa ao Google, que só ganha dinheiro se os internautas escolherem efetivamente clicar no link proposto. O algoritmo exato que estabelece essa pontuação permanece secreto, e o Google o modifica como e quando quer.

− O cálculo da classificação. A ordem na qual as publicidades aparecem é determinada por uma fórmula relativamente simples: a classificação é o lance multiplicado pela pontuação. Uma publicidade que tenha uma boa pontuação pode, dessa maneira, compensar um lance mais fraco e aparecer em primeiro. O Google otimiza assim as chances de que o internauta clique nas publicidades propostas.

O leilão é recalculado para cada pesquisa de cada utilizador – milhões de vezes por segundo! Esse segundo algoritmo fez a firma de Mountain View ganhar a simpática soma de US$ 9,72 bilhões no terceiro trimestre de 2011 – um valor 33% maior com relação ao mesmo período de 2010.

O mercado linguístico criado dessa forma pelo Google já é global e multilíngue. Com relação a isso, a bolsa de palavras que está associada a ele dá uma indicação relativamente justa dos grandes movimentos semânticos mundiais. O Google propôs, inclusive, instrumentos simples e lúdicos para explorar uma nova parte dos dados que coleta sobre a evolução do valor das palavras. É assim que podemos ver como as flutuações do mercado são marcadas pelas mudanças de estação (palavras como “esqui” e “casacos” têm mais valor no inverno; “biquíni” e “filtro solar”, no verão). Os fluxos e refluxos do valor da palavra “ouro” dão testemunho da saúde financeira do planeta. O Google ganha evidentemente muito dinheiro com as palavras para as quais a concorrência é forte (“amor”, “sexo”, “gratuito”) e com nomes de pessoas célebres (“Picasso”, “Freud”, “Jesus”, “Deus”).

A corporação conseguiu estender o território do capitalismo para a própria língua, fazer das palavras uma mercadoria e fundar um modelo comercial inacreditavelmente lucrativo. O conjunto de seus outros projetos e inovações tecnológicas – seja gerenciar o e-mail de milhões de usuários ou digitalizar o conteúdo de livros nunca publicados no planeta – pode ser analisado desse prisma. O que os agentes do capitalismo linguístico temem? Que a língua escape, que ela se altere, que se “desortografe”, que se torne impossível transformá-la em equação. Quando o Google propõe correções a uma palavra que escrevemos errado, não faz isso para nos ajudar: na maioria dos casos, ele transforma um material sem grande valor (uma palavra mal escrita) em um recurso econômico rentável. Quando o Google prolonga uma frase que começamos a digitar na caixa de busca, não está apenas nos ajudando a não perder tempo: ele nos orienta para o território da língua que mais explora, nos convida a trilhar o caminho estatístico traçado pelos outros internautas. As tecnologias do capitalismo linguístico levam então à regularização da língua. E quanto mais nós necessitarmos das próteses linguísticas, deixando os algoritmos corrigirem e prolongarem nossos propósitos, mais essa regularização será eficaz.

Nada de teoria da conspiração: o Google não pretende modificar a língua de propósito. A regularização evocada aqui é simplesmente um efeito da lógica de seu modelo comercial. Para ter sucesso no mundo do capitalismo linguístico, é preciso mapear a língua melhor do que qualquer linguista sabe fazer hoje em dia. Ainda nisso, o Google soube construir uma estratégia inovadora ao desenvolver uma intimidade linguística sem precedentes com seus usuários. Nós nos expressamos cada dia um pouco mais por meio de uma das interfaces do Google; não simplesmente quando fazemos uma pesquisa, mas também quando escrevemos um e-mail com o Gmail ou um artigo com o Google Docs, quando publicamos uma atualização na rede social Google+, ou mesmo oralmente, por meio das interfaces de reconhecimento vocal que o Google integra a seus aplicativos de celular. A cada dia, somos milhões a escrever e falar através do Google. É por isso que o modelo estatístico multilíngue que ele permanentemente lapida e para o qual ele tenta encaminhar cada busca é muito mais atualizado que o dicionário publicado anualmente por nossos acadêmicos. O Google acompanha os movimentos da língua a cada minuto, pois foi o primeiro a descobrir nela um mineral de riqueza extraordinária, e se dotou dos meios necessários para explorá-lo.

A descoberta desse território do capitalismo até então ignorado abre um novo campo de batalha econômico. O Google se beneficia, é evidente, de uma vantagem considerável, mas corporações concorrentes, ao entenderem as regras dessa nova competição, vão acabar surgindo. Regras, no fim das contas, bem simples: deixamos de lado uma economia da atenção, para entrar em uma economia da expressão. O objetivo não é mais captar os olhares, e sim midiatizar a palavra e a escrita. Os vencedores serão aqueles que conseguirem desenvolver as relações linguísticas íntimas e duráveis com o maior número de usuários, para modelar e influenciar a língua, criar um mercado linguístico controlado e organizar a especulação sobre as palavras. A utilização da linguagem é, de agora em diante, o maior objeto de desejo. Não há dúvidas de que em pouco tempo a própria língua será transformada.

Frédéric Kaplan

Pesquisador na Escola Politécnica Federal de Lausanne (França), autor de La métamorphose des objets [A metamorfose dos objetos], Edições FYP, Limoges, 2009, e de L’homme, l’animal et la machine [O homem, o animal e a máquina],Edições CNRS, Paris, 2011 (com Georges Chapouthier).



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