Fernando Pessoa, parte 2, “Vivo só o Me Cercar”.
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Fernando Pessoa, parte 2, “Vivo só o Me Cercar”.


Logo que decidiu ser poeta, Fernando Pessoa decidiu também ser só poeta. E além disso: ser poeta por ser poeta. A poesia, tal como eu a venho compreendendo, é, pelo menos para os grandes do gênero, mais que uma forma de expressão artística: é uma determinação da alma, da personalidade. Não dá pra ser outra coisa, pelo menos não algo que se desligue desta atividade artística, pois a atividade por si é o que dá sentido à vida do sujeito que é poeta. O poeta é da poesia mais (e muito mais) do que a poesia é do poeta.

Fernando Pessoa, talvez, foi o que melhor tenha compreendido isso. E por compreender, foi fundo nas suas conseqüências. Daí pra frente em sua vida literária ele irá expressar de sobremodo uma capacidade autêntica de abdicar de todo o sentido que a vida comum nos assiste para ser só o que em sua mente ele pretende ser – se é que no fim ele pretende ser alguma coisa. Desejos, sonhos, planos, nada disso vale a pena agora; são apenas “fugas”. Sabemos que é justamente este nível de significados que nos faz atribuir sentido a nossas vidas, e deste modo seguir em busca de sua realização, mas é justamente isso que Fernando Pessoa pretende relativizar. Se antropológica ou sociologicamente diz-se que corresponderia ela própria também à “decisão de ser poeta” numa outra possibilidade de sentido que a cultura dá ao homem para que ele viva a sua vida, o poeta surpreende: é justamente por ser impelido à poesia que ele não se sente completamente feliz: “Os meus pensamentos são contentes. Só tenho pena de saber que eles são contentes,/Porque, se o não soubesse,/Em vez de serem contentes e tristes,/Seriam alegres e contentes”.

“Ascetismo” é a palavra chave portanto. Ele critica profundamente todo um nosso hábito comum de estar o tempo todo atribuindo significados e significantes a tudo e a todos para no final acabar abdicando do seria mais precioso para nós: um sentir completamente desvinculado de conteúdo; imediato, da vida no agora; um momento de distração em que nós estamos mergulhados em nós mesmos e só a nós devemos satisfações, desvencilhando-nos ainda de nós mesmos a parcela dos outros que em nós é vivente; um apreciar do agora da vida sem qualquer temor ou ânsia, necessidade ou obrigação, nem mesmo a de sentir algo como felicidade ou paz – algo muito além do simples “carpe diem”, importa frizar. Talvez, captar o que ele quis dizer seria se pegar num momento como este: em que você está como está e ponto final. Que não necessariamente está triste nem alegre, preocupado ou relaxado: está apenas como está. E curtir isso.

Pois na verdade é como as coisas são: as coisas são como elas são!Sem mais delongas. Uma árvore, uma árvore. Nem bela, nem forte, nem nada. Apenas a árvore e você num passar agradável do tempo. A melhor forma de viver este momento é não atribuindo mais nada ao momento. Basta o que sua consciência automaticamente já lhe infere. Da próxima vez você nem precisará chamar aquilo que você está vendo de árvore, apenas ira toca-la, se lhe der vontade, beija-la, se lhe der vontade, ou não fazer nada. Sem nem pensar nessa vontade que lhe surge ou deixa de surgir. “Há metafísica o bastante em não pensar em nada”.

Fernando Pessoa passeia por estes temas para demonstrar a contingência de todos os significados e sentidos da vida que para nós soam perenes, e que à vezes terminam por nos impedir de sermos livres viventes e felizes, com toda a “insignificância” que a felicidade merece.
Sua poesia passa portanto pela vida que o circunda: sem grandes pensamentos ou idéias, apenas o prazer de escrever sobre assuntos diversos – a natureza o inspira muito –, interrompendo-os ou mesmo sendo mentiroso e contraditório, se assim preferir.

O próprio poeta assume a dificuldade de alcançar tal nível de “concentração distraída”, o que também não quer dizer que isso seja impossível ou mesmo uma balela. Todo este ascetismo é, na verdade, um elemento que permeia toda a sua poesia e de alguma forma termina por envolver o leitor “distraído”, que sem entender acaba entendendo. Mas pra se distrair é preciso, antes, saber se distrair. Se você pesava que, se divertindo, se distraía, saiba que está na contramão.
Por: Rodrigo Lessa



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Dialética É claro que a vida é boa E a alegria, a única indizível emoção É claro que te acho linda Em ti bendigo o amor das coisas simples É claro que te amo E tenho tudo para ser feliz Mas acontece que eu sou triste... Montevidéu, 1960 (Vinícius...



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