Uma das coisas que mais me divertia na faculdade era o facto dos professores marxistas gostarem tanto do Keynes. Porque diabo não se limitavam eles a ensinar a contabilidade do produto material e o modelo do Feldman-Mahalanobis? Cheguei a confrontar alguns professores com isto, o que não terá contribuído nada para a minha popularidade, desde sempre em queda. Claro que eu os percebia muito bem: a teoria keynesiana, com grande prestígio na altura (facilidade de modelização, prémios Nobel), abria espaço à intervenção do estado na economia, uma coisa que um marxista nunca desdenha. É verdade que Keynes defendia o capitalismo e achava que o Estado só devia intervir quando o mecanismo de mercado, só por si, não resolvia o problema [o "problema", na altura, era o desemprego; quer dizer, já era a inflação, mas ainda se pensava que era o desemprego]. Ora, isto, para um [professor] marxista, não oferecia qualquer dificuldade. Ora sigam lá este raciocínio: Eis pois o comunismo deduzido com um simples silogismo. Mas o Keynes era coisa para o curto prazo, para a conjuntura; "a longo prazo estamos todos mortos", tinha respondido Keynes às almas a quem preocupava o facto da Teoria ser de pavio curto; isto os marxistas não podiam aceitar, porque eles "sabiam" muito bem que o indivíduos morrem, mas a classe operária (e o Partido) são eternos. Felizmente para o longo prazo e para o crescimento havia o modelo de Harrod-Domar, com a sua simplicidade desarmante. Pereira de Moura preferia chamar-lhe "Domar-Singer"; mas nem mesmo o Domar acreditava lá muito na criatura, a fazer fé nalguns dos seus desabafos ("a minha intenção era intervir nos ciclos económicos, e não derivar uma taxa de crescimento empiricamente significativa"; "é difícil estimular o desejado nível de poupança interna"). Por isso não é de admirar que um site como o Marxists.org apresente, como escritor de referência, John Keynes e reproduza integralmente a sua Teoria Geral. Mas o Museu de Cera das Criaturas Marxistas tem muitas peças por recolher, vagueando ainda pelas grandes avenidas do Pensamento Económico Mundial. Por exemplo: ainda há quem pense que o modelo Feldman-Mahalanobis se pode aplicar, a "mercados descentralizados que imitam o comportamento dinâmico das economias de planificação centralizada". E o modelo de Harrod-Domar continua a fazer a felicidade dos tecnocratas que andam a ajudar os paises pobre a desenvolverem-se através da ajuda externa: "The Gost of Financing Gap - ou "Como o Modelo de Crescimento de Harrod-Domar ainda Assombra a Economia do Desenvolvimento". Bem se podem evocar aqui as palavras cantadas por outra das avantesmas dos anos 60: «Old habits die hardNão é para admirar, portanto, que a medalhinha presidencial vá cair no regaço do "colectivo" U2... |