Economia
Em algum lugar do passado
Não falta quem veja as contas do balanço de pagamentos como uma demonstração de resultados do país: superávits são associados a “lucros”, enquanto déficits seriam as “perdas”. Não é uma visão muito diferente da que prevalecia no século XVIII, entre os chamados mercantilistas, que também identificavam o progresso de um país ao seu saldo comercial, noção devidamente refutada ao longo da história, mas incrivelmente resistente.
Esta questão ganha relevância porque o Brasil passou a registrar déficits externos de magnitude crescente. Usando os números dessazonalizados das contas nacionais, notamos que, depois de 44 trimestres, as importações (de bens e serviços, exceto remuneração do capital) finalmente superaram as exportações. Assim, nos dois primeiros trimestres de 2010 o déficit externo atingiu respectivamente 0,8% e 1,2% do PIB, com perspectiva de valores maiores à frente.
Este processo, por mais que nossos “keynesianos de quermesse” insistam no contrário, está intrinsecamente associado à elevação do investimento em relação ao produto. Nos últimos 62 trimestres observa-se clara relação positiva entre a razão investimento-PIB e o déficit externo, isto é, tipicamente o investimento e o déficit externo caminham na mesma direção. Há, adicionalmente, outro fato interessante: praticamente toda vez que o investimento supera a fronteira dos 17,5% do PIB as importações excedem as exportações; apenas em 3 trimestres (desde 1995) isto não ocorreu.
Obviamente, estas informações são insuficientes para determinar se é o aumento do investimento que leva ao déficit externo, ou se, ao contrário, é a elevação do déficit externo (por exemplo, por maior apetite por ativos nacionais) que causa maiores investimentos. Provavelmente estes dois fenômenos interagem entre si, o que torna a questão da relação causa-efeito bastante complexa. No entanto, independente desta discussão, a experiência histórica sugere que taxas mais altas de investimento não ocorrem sem elevação correspondente do déficit externo.
Tal fenômeno reflete a baixa poupança nacional. De 2000 para cá a poupança bruta atingiu, em média, pouco mais de 17% do PIB, tomando-se como base os números trimestrais sazonalmente ajustados, não por acaso patamar bastante semelhante àquele a partir do qual o nível do investimento corresponde a déficits externos.
A reduzida poupança nacional não parece, todavia, resultar de um consumo privado particularmente elevado. Apesar do consumo brasileiro, em torno de 63% do PIB, ser bastante superior ao da China, por exemplo, ele não difere muito do observado nos demais países latino-americanos. A bem da verdade, inclusive, o consumo privado no Brasil, além de inferior à média de Argentina, Chile, Colômbia e México, é também o menor dentro desta (limitada) amostra.
A grande diferença neste caso refere-se ao consumo do governo. No ano passado o gasto público neste conceito atingiu pouco menos de 21% do PIB, enquanto na média dos países acima ficou em 13,6% do PIB, repetindo o padrão dos últimos anos.
Assim, se o governo estivesse mesmo preocupado com a evolução das contas externas, o remédio seria simples do ponto de vista econômico (ainda que politicamente complicado): um programa de austeridade fiscal que enfrentasse decisivamente o elevado patamar de gasto público no país.
Tal política abriria espaço para a expansão do investimento relativamente ao PIB sem que fosse necessário recorrer à poupança externa. Concretamente, isto se traduziria em redução da demanda doméstica, permitindo a queda da Selic e conseqüente depreciação cambial. Vale dizer, mais eficaz do que limitar o ingresso de capitais num contexto de necessidade crescente de poupança externa seria reduzir esta própria necessidade. Isto, porém, ainda parece além da compreensão de quem ainda vive no século XVIII.
Fonte: IBGE(Publicado 14/09/2010)
Um moderno keynesiano de quermesse
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