Martim Wolf, “Discutindo o ABC e D das crises”, diretamento do Financial Times, via Folha de S. Paulo.
O debate em torno da política monetária e fiscal pós-crise está esquentando em ambos os lados do Atlântico. A zona do euro está comprometida com um arrocho fiscal e monetário. Os Estados Unidos estão considerando um arrocho fiscal, apesar do futuro da política monetária permanecer incerto. Enquanto isso, o Reino Unido está comprometido com um arrocho fiscal, com o futuro da política monetária também incerto.
E quem está certo? Não causa surpresa os economistas discordarem profundamente. Alguns desses desacordos foram apresentados em uma carta ao “Financial Times”, datada de 4 de maio de 2011, de autoria de meu amigo, Tim Congdon, talvez o mais influente monetarista do Reino Unido. A carta foi em resposta à minha coluna de 28 de abril de 2011, que começou com um comentário de Larry Summers, o ex-assessor de Barack Obama, de que “considero a ideia da contração fiscal expansionista, no contexto do mundo em que estamos vivendo, tão contraditória quanto soa”. Para este comentário, Congdon respondeu que “o keynesianismo fiscalista, como a história, é um absurdo”.
Congdon apelou para a história, tanto ali quanto na edição de junho da revista “Standpoint”, para demonstrar a coincidência das contrações fiscais com as expansões econômicas. Talvez ele queira dizer que o keynesianismo é um absurdo, diferente da história. Eu sugeriria que seu uso da história é absurdo.
Congdon nota, corretamente, que as reduções no déficit fiscal ciclicamente ajustado coincidem com as expansões econômicas. Mas o fato de A coincidir com B não significa que A causa B. B poderia causar A. Ou C e D poderiam causar A e B.
Considere um período em que os gastos privados estão crescendo mais rápido do que a renda. Alguém poderia então esperar um encolhimento dos déficits: as receitas seriam robustas e os gastos fracos. Esta é uma verdade autoevidente em uma base cíclica. Mas provavelmente também será verdadeira em uma base ciclicamente ajustada, particularmente considerando que o ajuste cíclico é uma arte, não uma ciência. Se o governo iniciar um grande déficit ciclicamente ajustado, ele poderia aproveitar a oportunidade de uma economia em boom para elevar impostos e reduzir gastos. Também é possível que um encolhimento do déficit fiscal fortaleceria os gastos de um setor privado já confiante. Nesta história, então, B (o boom privado) causa A (a contração fiscal).
Eu também acrescentaria C (taxas de juros). As taxas oficiais de intervenção caíram 9 pontos percentuais no início dos anos 80 e 9,75 pontos no início dos anos 90. As dúvidas são simplesmente a respeito do momento, velocidade e flexibilidade, porque o endividamento privado atual é alto, os bancos estão frágeis e as taxas de juros as mais baixas possíveis.
Para isso, Congdon responde que a política monetária permanece eficaz. Em particular, ele argumenta, a oferta de dinheiro tem uma relação estável e previsível com a renda. Mas todos os bancos centrais importantes agora abandonaram as metas monetárias por um bom motivo: a relação entre produto interno bruto nominal e oferta de dinheiro (a velocidade da circulação) é instável.
Se você olhar para os dados do Reino Unido nos últimos 50 anos, você encontrará uma tendência de queda na velocidade. Mas os movimentos a médio prazo são extremamente instáveis: entre o primeiro trimestre de 1991 e o primeiro trimestre de 2003, por exemplo, a velocidade da oferta de dinheiro (M4) caiu 11%. Nos sete anos seguintes, ela caiu 41%. No ano passado, ela saltou 7%. Nenhum banco central poderia guiar a economia ajustando apenas a oferta de dinheiro, a não ser em um prazo muito longo. Como Milton Friedman disse, as defasagens são “longas e variáveis”.
A visão de que em uma economia pós-crise nós sabemos com precisão qual seria a expansão da oferta de dinheiro que compensaria a contração fiscal planejada é bastante inconvincente. Nós não sabemos isso. As experiências das condições muito diferentes do início dos anos 80 e dos anos 90 (tanto no Reino Unido quanto nos Estados Unidos) também não nos dizem. Sim, a longo prazo, a combinação de uma grande expansão da oferta de dinheiro com uma contração fiscal provavelmente devolveria a economia para algo próximo do pleno emprego, mas ninguém pode saber quanto tempo levaria ou mesmo qual seria o preço. O célebre comentário de Keynes –“A longo prazo é um guia enganador para os assuntos atuais. A longo prazo estaremos todos mortos”– é aplicável.
A contração fiscal do Reino Unido pode ser a política menos ruim, considerando os riscos. Nós não sabemos. Enquanto isso, pessoas razoáveis também podem duvidar da saúde da economia surrada.