Economia
Dia de Natal
Durante dias ou semanas a fio, correu lojas, pequenas, médias e grandes superfícies comerciais para comprar as prendas dos miúdos, do pai, da mãe, do tio, da prima, do vizinho e do colega, para lá da lembrança da loja dos trezentos para a festa dos amigos.
Chateou-se com o concorrente daquele último lugar de estacionamento, quase atropelou a senhora carregada de sacos que arrastava a miúda pelo cachecol a caminho da paragem do autocarro, discutiu preços com o marido ou a esposa, lamentou-se do encargo orçamental que esta época sempre representa e prometeu que para o ano um postal basta… Então se for da UNICEF até se está a fazer uma boa acção!
Por entre a correria, cruzou-se ora animado ora inquieto com o rebuliço nas ruas, ouviu os cânticos de boas festas e tropeçou nos Pais Natal e nas animações de ocasião.
Não havia, porém, muito tempo para parar em cada uma das escapadas consumistas da hora de almoço, do fim do trabalho, de antes do jantar, de logo após o café, de cada fim de semana em que, valha-nos isso, as lojas encerram bem mais tarde do que é habitual.
Depois teve que se preparar a ceia, que ir buscar o bacalhau, que comprar as couves e o vinho, que reservar o bolo-rei e o pão-de-ló, que telefonar aos parentes para desejar boas festas, que enviar e-mails e sms para toda a base de endereços que o Outlook e a memória do telemóvel comportavam.
A refeição (como qualquer outra) correu a gosto, intercalada com as últimas da novela da noite, a discussão quanto ao número de folhas de cada posta de bacalhau face ao exemplar do ano anterior, o anúncio da chegada das rabanadas e dos mexidos.
Depois, a promessa de que no ano que vem não falha a ida à missa do galo, o frenesim de abertura dos presentes, o amontoado das ofertas lado a lado com a pilha de papéis de embrulho que tão rapidamente deixaram de cumprir a sua função. Se alguém se engana vai tudo junto para os sacos de lixo que mais tarde do que cedo virão recolher e que são o testemunho último da grandeza da festa já quase dada por terminada…
Amanhã volta o trabalho, se houver.
Volta-se a pensar nas contas do fim do mês que mais um ano difícil tornou cada vez mais complicado de contornar. Subiram os juros, os preços e as despesas com os bens mais essenciais.
Começa-se a falar dos aumentos para o próximo ano mas o que vem para casa não parece compensar a catadupa de subidas que os noticiários avançam para o cabaz base da vida doméstica no ano vindouro.
As nuvens permanecem fortes, carregadas, no horizonte. Diz o Primeiro que tem orgulho em nós e que os dias de primavera chegam sempre em Março. Diz o segundo, que temos que dar as mãos e fazer mais um esforço para ultrapassar os desafios que cada novo Bojador nos coloca no caminho.
Diz outro ainda que vai dedicar cada vez mais atenção aos nossos problemas e desenvolver iniciativas inovadoras para apresentar soluções cabais para as nossas necessidades. Mas, não o disse também no ano que foi? E chegou a tentar?
Fazem-se planos e promessas para mais um ano que se avizinha. Quilos que se querem perder. Amizades para reanimar. Carinhos para distribuir. Sucessos para alcançar.
O turbilhão das rotinas volta a ameaçar com toda a sua voracidade a pacatez de mais este Dia de Natal.
Desligue, por isso, ao longo das próximas horas, de todas essas ansiedades e inquietações.
Olhe à sua volta e sinta o que é verdadeiramente mais importante nesta quadra, como em cada dia das nossas vidas.
Transforme em gestos as palavras de ocasião. Sem economizar.
Lembre-se que, mesmo que não queira, hoje é Natal.
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