Desafios para a política monetária.
Economia

Desafios para a política monetária.



Carlos Thadeu de Freitas Gomes, chefe da divisão econômica da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) e Marianne Lorena Hanson, economista da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), escreveram neste texto para o Valor Econômico, os desafios para a política monetária, onde destacam que é fundamental ancorar as expectativas inflacionárias dentro do regime de metas .  
Durante muito tempo, acreditou-se que o sistema de metas de inflação não só era o conjunto de regras de política monetária mais eficaz para manter a inflação sob controle, como também era capaz de promover a estabilidade macroeconômica como um todo, suavizando os ciclos econômicos. De fato, desde sua adoção e consolidação por boa parte dos bancos centrais pelo mundo, na década de 1990, experimentou-se um longo período de crescimento moderado e estabilidade de preços.
O sistema de metas de inflação foi introduzido pela primeira vez pelo Banco Central da Nova Zelândia, em 1988. Ele consiste em um conjunto de regras que visa criar uma âncora de política monetária baseada nas expectativas dos agentes. Ao se comprometer exclusivamente com uma meta para a inflação e ajustar a taxa de juros para o alcance dessa meta, a política monetária atua diretamente sobre as expectativas, e a demanda agregada converge para o pleno emprego no longo prazo. A transparência na comunicação e a credibilidade da autoridade monetária são premissas essenciais para esse modelo.
No entanto, no período de "grande moderação" que precedeu a crise financeira mais aguda desde a grande depressão, o sistema não foi capaz de impedir desequilíbrios macroeconômicos relacionados ao endividamento excessivo de famílias, empresas e governos, além da sobrealavancagem do sistema financeiro, que culminaram no colapso do mercado de crédito nos países desenvolvidos.
O arcabouço de regras rígidas do sistema de metas de inflação também não fornecia instrumentos para tratar das consequências dessa crise. Os canais tradicionais de política monetária deixaram de funcionar, a taxa de juros foi rapidamente trazida para patamares próximos de zero e outros instrumentos foram criados para prover expansão monetária - as políticas de "quantitative easing" (QE).
Adicionalmente, para lidar com os efeitos das políticas monetárias quantitativas e de taxa de juros reais negativas, foi necessária a adoção de políticas macroprudenciais por países com diferenciais de juros e de crescimento, como o Brasil, que foram afetados com forte influxo de capitais e valorização de ativos.
Países com elevado patamar de endividamento também tiveram que adotar políticas macroprudenciais - por meio de instrumentos regulatórios - para lidar com desequilíbrios financeiros. Nesse contexto, sem essas medidas, a política monetária tradicional pode estimular desequilíbrios nos fluxos de capitais, no mercado de crédito e no preço de ativos e moedas.
A política monetária teve que se adaptar em tempos de crise. Com o risco iminente de uma prolongada recessão e a manutenção de taxas de desemprego em patamares muito elevados, as metas para inflação foram colocadas de lado. A crise atual de endividamento público engessa a política fiscal e coloca a política monetária ainda mais em evidência, colocando-a a serviço, inclusive, da própria redução da dívida, por meio da repressão financeira. Os bancos centrais da zona do euro e dos Estados Unidos saíram na frente e sinalizaram que aceitam uma taxa de inflação maior, para não comprometer a recuperação econômica.
O presidente do Banco Central do Canadá, Mark Carney, sugeriu, recentemente, a adoção de metas para o Produto Interno Bruto (PIB) nominal em substituição às metas de inflação. Outras propostas incluem a mudança para uma meta de nível de preços que absorva choques positivos e represente um custo menor para o nível de atividade.
No Brasil, a política monetária também foi flexibilizada para combater os efeitos adversos da liquidez excessiva proveniente da expansão monetária sem precedentes dos países centrais. Para conter os efeitos do forte influxo de capitais sobre os preços dos ativos, o mercado de crédito e o câmbio, uma política monetária tradicional anticíclica, ao aumentar o diferencial de juros, poderia agravar o problema.
Contudo, apesar de o uso de políticas macroprudenciais - tais como requerimentos de capitais, barreiras aos fluxos de capitais, intervenções no mercado de câmbio, entre outros - ter tido sucesso ao evitar a fragilidade financeira e reduzir volatilidades nocivas, não conseguiu impedir os efeitos dos choques externos sobre preços e atividade.
Embora o PIB tenha crescido apenas 0,9% em 2012, a taxa de desemprego atingiu patamares historicamente baixos. Ou seja, mesmo com a atividade mais fraca, a inflação de salários não deixou de ser uma preocupação. O aumento no custo de produção de um bem devido à elevação dos salários acaba sendo, ao menos em parte, repassado para os preços, realimentando o processo inflacionário.
Há uma dinâmica favorável no país, principalmente no que diz respeito ao consumo das famílias, apoiada no espaço que ainda existe para a ampliação do crédito e no bônus fiscal gerado pelo desaperto monetário. Se isso é bom por um lado, por outro, pode implicar taxa de inflação mais elevada à frente. Adicionalmente, é preciso lembrar que alguns reajustes de preços estão sendo postergados. No curto prazo, esses adiamentos seguram a inflação mas, no médio prazo, têm efeito contrário. A elevada inércia inflacionária remanescente no país e a vulnerabilidade externa latente aumenta o custo de uma inflação mais alta.
Logo, é fundamental ancorar as expectativas inflacionárias dentro do regime de metas, mesmo que isso, temporariamente, afete a recuperação da atividade econômica, permitindo a sua sustentabilidade no longo prazo. A flexibilização da política monetária teve a sua importância num contexto de grandes desequilíbrios externos e atividade fraca. Agora, mesmo que seja reconhecida a necessidade de repensá-la à luz dos episódios recentes, a política monetária precisa retornar a sua função mais importante, que é estabilizar as expectativas inflacionárias.



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