Depois do véu
Economia

Depois do véu


Agora que o impedimento da presidente se tornou uma possibilidade (ainda mais) real, a pergunta insistente diz respeito ao dia seguinte, embora, talvez tão relevante quanto o dia seguinte de um evento que poderá (ou não) se materializar, sejam as consequências dos vários dias que precederão esta decisão.

Não é segredo que muito do que vivenciamos no momento, da queda do produto à alta do desemprego, passa de alguma forma pelo nó fiscal. Muito embora as cadeias de causa e efeito sejam, por vezes, obscuras, há, ao menos dentre economistas sérios, a crença que os desequilíbrios fiscais que vieram se acumulando nos últimos anos se encontram na raiz da atual crise, fenômeno que foi bem explorado, por exemplo, por Mansueto Almeida, Marcos Lisboa e Samuel Pessôa.

Se tal diagnóstico for correto, como acredito, a consequência lógica seria a necessidade de uma alteração do nosso regime fiscal para superar a crise. Não se trata, portanto, de saber se receitas não recorrentes, como concessões e as oriundas da repatriação de recursos, nos permitirão atingir determinada meta de superávit primário em 2016, tema importante, mas secundário nas atuais circunstâncias.

A questão central se refere, a bem da verdade, ao equacionamento do gasto público no Brasil, cujo componente federal cresceu nada menos do que 11% do PIB entre 1991 e 2014, dos quais quase um terço ao longo do primeiro mandato da presidente.

Como se sabe, parcela considerável deste aumento se concentrou nos gastos com aposentadorias e pensões, o que coloca as reformas associadas a este tema no centro de qualquer articulação para a solução do problema, incluindo, sem esgotar o assunto, a introdução de idade mínima para a aposentadoria, assim como a desvinculação do gasto previdenciário do salário mínimo.

São reformas complexas, que ferem interesses de distintos grupos, e, portanto, sugerem que haverá reações a toda tentativa de mudança. Não há motivo para imaginar que, mesmo em condições normais, o Congresso conseguiria encaminhar a discussão de maneira plenamente satisfatória. À sombra, porém, do impedimento, é ainda menos provável que o foco parlamentar, já bastante descuidado, possa se manter nestas reformas essenciais e mesmo nas medidas de mais curto prazo.

Isto dito, qualquer que seja o resultado do processo de impedimento, as perspectivas para as reformas estão longe de positivas. A fratura já existente no mundo político tende a se aprofundar depois da decisão.


Em caso de manutenção do mandato presidencial (que pode ser obtido com 171 dos 513 deputados) teríamos a continuidade de um governo acuado, cujas convicções passam longe das necessárias para avançar o encaminhamento das soluções fiscais. Já em caso de impedimento, o cenário mais provável aponta para uma nova coalizão de forças que, embora aparentemente mais convicta acerca dos rumos a serem seguidos, também não teria a força para aprovar o conjunto de reformas requeridas.

A conclusão, praticamente inescapável, é que as chances de avançarmos nestes temas nos próximos anos são baixíssimas.


Isto, quero deixar claro, não é argumento contra, ou a favor, do impedimento, mas constatação que o estrago feito pela atual administração há de nos pesar por muitos anos à frente.



(Publicado 09/Dez/2015)



loading...

- O Ano Da Marmota
Comemoramos o Ano Novo, com direito a queima de fogos e até um artigo especial da presidente da República em que ela mais uma vez busca se eximir da culpa pelo seu lamentável desempenho, deixando, é claro, de admitir sua responsabilidade pelos inúmeros...

- O Topo Do Pódio
Segundo a Receita Federal do Brasil o total de tributos arrecadados em 2013 atingiu R$ 1,6 trilhão, o equivalente a 35,95% do PIB, algo maior que o observado no ano anterior (35,86% do PIB), fenômeno que se repetiu em 14 dos 19 anos desde a estabilização...

- Exorcizar é Preciso; Comunicar Ainda Mais
Dentre as novidades do último Relatório Trimestral de Inflação(RTI) destaca-se a adoção de uma nova forma de introduzir a política fiscal nos modelos do BC. Ao invés do superávit primário consolidado do setor público, o BC passou a usar o superávit...

- Quando Bate Uma Saudade
Há pouco mais de três anos discutiu-se o plano de ajuste fiscal de longo prazo. O projeto, preparado pelo Ministério do Planejamento e pelo saudoso Ipea, previa uma estratégia de redução do gasto corrente do governo federal com o objetivo de ampliar...

- Ajuste Fiscal Ou Morte!
A carga tributária no Brasil em 2005 atingiu um novo recorde: os governos federal, estaduais e municipais arrecadaram o equivalente a 37,4% do PIB. O recorde não é só histórico: entre os países de renda per capita semelhante à brasileira não há...



Economia








.