Economia
Delfim Netto: Políticas públicas - Valor Econômico - 12/06/2011
Há uma saudável discussão entre os economistas sobre os objetivos de longo prazo que devem orientar as políticas públicas que assegurem o contínuo processo civilizatório inscrito na Constituição de 1988. Essa é reverenciada, às vezes, não sem uma ponta de ironia, com o pomposo nome de "contrato social" e, outras vezes, estigmatizada como "utopia irresponsável".
Mas, afinal, quais são os objetivos que devem ser perseguidos por uma sociedade decente? No mínimo, a melhoria continuada da qualidade da vida de todos. Isso explica por que os economistas estão procurando um índice para medir o "bem-estar" (felicidade) das sociedades. Talvez ela exija uma estrutura política bem organizada, com estímulo ao aumento da produtividade da mão de obra, com o uso de políticas públicas eficientes e bem focadas e a incorporação dos avanços tecnológicos.
O desenvolvimento econômico, codinome do aumento da produtividade da mão de obra, é apenas condição necessária (aumento dos recursos) para cumprir os verdadeiros objetivos de sociedade: eliminar a pobreza absoluta; melhorar a qualidade do capital humano, pelo aumento de sua qualificação; reduzir as desigualdades; universalizar o acesso aos serviços sociais (genericamente saúde e educação) etc.
Isso exige uma inteligente e determinada política redistributiva capaz de calibrar adequadamente a necessidade do crescimento produtivo eficiente com a obrigação da inclusão sistemática dos menos favorecidos.
Pois bem, a Constituição de 1988 - gostemos ou não dela - "revelou a preferência" da sociedade brasileira numa organização social baseada em três pilares: 1) uma estrutura republicana sintetizada no desejo que todos os cidadãos sejam submetidos à mesma lei (inclusive o eventual e passageiro poder incumbente) e disponham dos mesmos direitos sob a vigilância de um Supremo Tribunal, que foi blindado com todas as garantias para fazer justiça e resistir à miopia que frequentemente domina o ruído das ruas, que querem vingança; 2) uma escolha democrática do poder incumbente pelo sufrágio universal e direto, em eleições absolutamente desimpedidas, que se realizem em prazos bem estabelecidos, admitindo-se apenas uma reeleição; e 3) uma política pública que atenda aos objetivos descritos acima e dê ênfase à continuada inclusão social pela construção de instituições que levem à igualdade das pessoas, independentemente da natureza, da etnia e da riqueza do espaço em que tenham sido geradas.
Numa organização competitiva, cuja maior virtude é combinar liberdade individual com eficiência produtiva, como é a economia de mercado em que vivemos, a "justiça social" deve fazer-se no ponto de "partida" (igualdade de oportunidades para todo cidadão) e não na "chegada", que depende da sorte e do acaso, o DNA.
A ênfase da Constituição não exige igualdade absoluta, mas a construção de instituições e políticas sociais que, a pouco e pouco, diminuam os efeitos das circunstâncias que cercaram o instante de geração de cada futuro cidadão.
O papel do economista é entender que precisa usar sua arte e engenho para mostrar à sociedade que existe uma limitação clara entre as velocidades com que se pode atender, simultaneamente, os dois objetivos (crescer e reduzir as desigualdades), exatamente porque no curto prazo elas são constrangidas pela disponibilidade física de recursos. Se cresço mais hoje, tenho mais recursos para distribuir amanhã. No prazo um pouco maior, o crescimento e a redução das desigualdades são mais do que compatíveis: no regime republicano e democrático, se não reduzirmos as desigualdades, logo abortaremos o crescimento!
A história mostra, por sua vez, que a tentação de distribuir o que ainda não foi produzido sempre termina muito mal: na aceleração da taxa de inflação e no déficit em conta corrente não financiável.
Qual deve ser, então, o papel do poder incumbente? Primeiro, organizar políticas públicas que não se desviem da "preferência revelada" pela Constituição de 1988. Isso implica um nível de carga tributária mais elevado do que outros países socialmente menos ambiciosos, mas sem exigir o iníquo sistema tributário atual; segundo, compensar esse fato com uma melhor qualidade da gestão pública, que lhe permita aumentar o nível de seus investimentos em projetos de retorno social, inferior ao do setor privado. Terceiro, assegurar a boa regulação concorrencial do mercado e coordenar com ele o papel do Estado-indutor com o uso de estímulos adequados.
A regra de ouro para dar emprego de boa qualidade aos 150 milhões de brasileiros com idade entre 15 e 65 anos em 2030 é assegurar a maior concorrência possível internamente, com uma adequada proteção compensatória externa. Quarto, mas fundamental: resistir à permanente sedução (que costuma cegá-lo), de tentar violar as identidades da contabilidade nacional.
Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento.
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