Economia
Delfim Netto: “Aqui tem uma galinhagem de que o Banco Central tem que ser independente”
O debate sobre concessão de Independência do Banco Central do Brasil está sendo retomado no Congresso Nacional. Vale a pena ler a declaração do ex-Ministro Delfim Netto a respeito do tema em entrevista concedida à Infomoney.
“A demora do Banco Central em subir os juros tem gerado uma série de críticas no mercado financeiro. Os questionamentos vão de uma suposta leniência com a inflação até sobre uma possível falta de autonomia do Banco Central para tomar medidas impopulares sob o governo Dilma. Para o professor e economista Delfim Netto, entretanto, as duras críticas não fazem sentido. “O Tombini não é sujeito de fazer o que mandam”, dispara Delfim, que comandou os ministérios da Fazenda, da Agricultura e do Planejamento durante 13 anos do regime militar e também foi deputado federal por duas décadas. “No instante em que o BC decidir que precisa subir os juros, vai subir os juros. Se não deixar, ele [Tombini] pega o chapéu e vai embora. Aí, sim, teremos um problema.” Leia a seguir os principais trechos da entrevista ao InfoMoney:
IM – A inflação atual assusta?
Delfim Netto – Temos uma inflação por excesso de demanda, que está maior que a oferta. O ajuste se faz subindo o nível de preços. Aí vem alguém e diz que a solução é aumentar os juros. O problema é que, se o juro real sobe, há uma redução da demanda, mas também há uma redução da oferta. É verdade que a demanda cai mais e que isso diminui a pressão inflacionária. Mas às custas de quê? De uma redução do PIB e de um aumento do nível de desemprego. Então a solução virtuosa seria o governo cortar seu déficit fiscal para conter o excesso de demanda. O déficit é de 2,5% do PIB e poderia ser de 1%. Seria uma grande contribuição para reduzir a inflação.
IM – Os juros não são mais eficientes para conter os preços?
DN – A maior ilusão é achar que o Banco Central controla a inflação. O Brasil mudou. Há dez anos, a empregada doméstica aprendeu que podia ser manicure, a manicure aprendeu que podia trabalhar em um call center, a moça do call center arrumou um emprego no supermercado e a caixa do supermercado virou vendedora na loja de departamento. A moça que tomava banho com sabão de coco agora usa sabonete Dove. Você acha que existe alguma taxa de juros que a faça voltar a usar sabão de coco? Você imagina a tragédia de desemprego que seria necessária para fazer essa pessoa voltar a ser empregada doméstica? Subir os juros é solução do livro-texto. Mas não é assim que funciona a economia. Fazer política monetária não é como construir uma ponte, em que já se conhecem todos os cálculos, os materiais e os métodos de construção. A correlação entre juros e emprego é sempre negativa, mas é tênue e imprecisa. O paciente da ação da política monetária não é como o ferro, a areia e o cimento do engenheiro. O paciente é um canalha que pensa, que grita, que reclama e, pior de tudo, que vota. É por isso que só político pode salvar economista.
IM – É papel do Banco Central pensar no impacto eleitoral de suas medidas?
DN – A política econômica tem que levar em conta as consequências sobre o lado político. Não tenho a menor dúvida que o Tombini está mais afinado com a realidade do que a maioria de seus críticos. Apesar de o País crescer pouco, estamos quase em pleno emprego. O Tombini sabe que há um problema grave e estrutural no mercado de trabalho e que um dia ele vai ter que subir a taxa de juros, a não ser que ele seja ajudado pelo Ministério da Fazenda.
IM – Mas já não seria a hora de o BC parar de esperar e agir?
DN – A expectativa de inflação se deteriorou. Mas a experiência do mundo é que quando você tem um sistema de metas com banda, a inflação namora a banda de cima. A banda serve para dar certo conforto para enfrentar choques de oferta. Nós estamos vivendo claramente um choque de oferta na agricultura. Já no caso dos serviços, acho que é uma coisa muito mais séria. Há um desequilíbrio estrutural, em que se estimulou aumentos de salários muito acima do aumento da produtividade. Esse é um problema que terá de ser atacado, mas não é o BC que pode fazer isso. É o governo mandando um projeto de lei que permita a livre negociação [de salários e direitos trabalhistas].
IM – Até quando o BC poderá esperar por essas medidas?
DN – Isso é um jogo entre o BC e o mercado. Todos dizem que o BC está ampliando as expectativas de inflação ao esperar, mas eu acredito que eles estão certos na convicção de que, tão logo passe esse choque de oferta [dos alimentos], a inflação vai amenizar. Se o cenário não melhorar, eles vão de juros mesmo. Mas, se o argumento deles está correto, a inflação vai cair de qualquer jeito, elevando ou não os juros por conta do fim do choque de oferta. Aí o sujeito vai dizer que a inflação caiu porque subiu os juros e vai pedir mais 0,25 ponto percentual para colocar no bolso…
IM – A presidente e o ministro da Fazenda pressionam o BC a adiar a alta dos juros?
DN – É ilusão pensar que o Tombini está fazendo isso porque a Dilma quer ou porque o Mantega quer. O Tombini não é homem de dizer que precisa fazer algo e alguém vir e dizer que não pode. O Tombini não é sujeito de fazer o que mandam. É um profissional maduro, consciente do seu valor, apoiado numa assessoria de alta qualidade e que vai fazer aquilo que ele acha que é correto. O BC tem o melhor departamento econômico do Brasil, tem um grupo de economistas em estado de arte, que acredita em seus modelos, que tem orçamento, que está o tempo todo viajando, se informando. No instante em que o BC decidir que precisa subir os juros, vai subir os juros. Se não deixar, ele pega o chapéu e vai embora. Aí, sim, teremos um problema.
IM – Por que se disseminou a percepção de que o BC já não é tão independente quanto foi nos governos anteriores?
DN – Aqui tem uma galinhagem de que o Banco Central tem que ser independente. Banco Central tem que ser autônomo, mas não independente. É perfeitamente aceitável e recomendável que o ministro da Fazenda e o presidente do BC sentem na mesma mesa e conversem sobre a política monetária e política fiscal, que um diga que vai apertar um pouquinho o fiscal para que o outro aperte um pouquinho os juros.
IM – Então o BC do Tombini evoluiu em relação ao BC do Meirelles?
DN – O Meirelles é um sujeito hábil, esperto e competente. Mas o Meirelles obviamente não tinha o domínio da teoria que o Tombini tem. Mas isso não é uma evolução em relação ao Meirelles, é a situação que mudou. Provavelmente o Meirelles lidando com a atual situação seria outro Meirelles. E o Tombini na situação em que estava o Meirelles seria outro Tombini.
IM – A inflação nos patamares atuais não acaba corroendo a renda da população?
DN – A renda real não tem caído. Uma inflação de 5% não corrói a renda porque a correção do salário mínimo e dos salários em geral cresce mais que isso.
IM – Você acha crível esperar que o governo corte gastos?
DN – Se ele não cortar, não vai ter saída. A inflação não será controlada. Se bater no teto, as coisas vão ficar quentes. Se bater no teto e voltar, a coisa acomoda. Mas não tem nenhuma garantia de que isso acontecerá. Aí vai ter que fazer o aumento mesmo, não tem remédio.
Leia a entrevista completa na próxima edição da Revista InfoMoney, que chega às bancas em maio de 2013.
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