MARIO MESQUITA, 45, doutor em economia pela Universidade de Oxford, escreveu hoje na FOLHA DE S. PAULO, sobre “DE VOLTA PARA O FUTURO.”
Observadores atentos da conjuntura econômica têm notado o saudosismo pelos anos 1970 que, aparentemente, permeia certos círculos. Na visão idealizada, o Brasil era, na época, uma ilha de prosperidade, em marcha forçada rumo a um destino glorioso.
O Estado, onipotente e onisciente, determinava o nível da taxa de câmbio, escolhia setores a desenvolver, bem como as empresas que liderariam esse processo, com farta utilização de crédito subsidiado, não raramente a taxas de juros reais negativas. A economia vivia além de suas possibilidades, como atestavam a ampliação do deficit em conta-corrente e a aceleração da inflação - aliás, controlar a inflação era algo que o Estado não prometia, nem, a rigor, tentava com muita convicção.
Tal estratégia, como sabemos, deu errado. Os anos 1970 do Brasil potência foram seguidos pelos anos 1980 da bancarrota nacional, pelo calote na dívida externa, pela explosão hiperinflacionária, pela desorganização da vida econômica e, não surpreendentemente, pelo colapso do investimento.
A despeito da herança ruim, um aspecto do arcabouço de política econômica "setentista" parece exercer atração permanente sobre certos economistas, especificamente o seu caráter discricionário.
A política econômica discricionária é cambiante, ora mira um objetivo, por exemplo a taxa de câmbio, ora outro, por exemplo, a inflação, seguindo a prioridade do momento determinada pelo governo. Ou então atira para todos os lados ao mesmo tempo, em uma cacofonia de metas e instrumentos.
Evidentemente, nesse ambiente discricionário a incerteza é maior, afinal de contas a sociedade não sabe com certeza o que se passa com as autoridades, logo os agentes econômicos demandam prêmios de risco mais elevados, o que leva à elevação das taxas de juros de mercado e ao encurtamento dos horizontes de planejamento e dos prazos.
A lição dos anos 1970, em termos de política econômica, é do valor da humildade. Em vez de ter autoridades onipotentes interferindo nos mais diversos aspectos da vida econômica, é melhor adotar regras que disciplinem a política econômica, aumentem a previsibilidade e, consequentemente, reduzam os prêmios de risco.
O fracasso do modelo discricionário nos anos 1970 levou a regimes de discricionariedade limitada, dos quais o melhor exemplo talvez seja o regime de metas para a inflação.
Nesse regime, o governo estabelece a meta para a política monetária, no caso um objetivo quantitativo para a inflação, e o BC tem autonomia para calibrar seus instrumentos de política, basicamente a taxa de juros, de forma a atingir esse objetivo.
Atribuir à autoridade monetária um outro objetivo, seja ele preservar um piso mínimo para a taxa de crescimento ou controlar as flutuações da taxa de câmbio, representa, na prática, um enfraquecimento do regime de metas para a inflação e uma guinada em direção de um regime mais discricionário.
Pode-se argumentar, contudo, que a crise de 2008 teria demonstrado a falência dos regimes puristas de política monetária e que nas atuais circunstâncias seria mais adequado reverter a uma política mais discricionária e ativista.
Tais argumentos seriam mais convincentes se a gênese da crise não estivesse, ao menos em parte, na política monetária americana, justamente uma das poucas, entre as praticadas nas economias maduras, que continuaram sendo pautadas, no ponto de vista institucional e legal, por seu caráter discricionário.
Uma narrativa plausível das origens da crise é que a política monetária nos EUA, visando combinar a estabilidade monetária com metas para crescimento e emprego, acabou tolerando um perigoso boom de preços de ativos, que, em um ambiente regulatório permissivo, gerou fragilidades sistêmicas severas.
Caso o Fed tivesse uma meta explícita para a inflação, de preferência definida em termos da inflação efetiva, e não de medidas "ad hoc" de núcleo inflacionário, então a atitude de política monetária provavelmente teria sido mais restritiva, e a acumulação de riscos no sistema financeiro, mais moderada.
Copiar os aspectos mais controversos da política monetária americana, como amparo para uma volta ao voluntarismo dos anos 70, parece, portanto, uma estratégia de alto risco, baseada em uma leitura tendenciosa das origens da crise.