DÁ PARA CONFIAR NA CHINA?
Economia

DÁ PARA CONFIAR NA CHINA?


O Nobel PAUL KRUGMAN, publicado nesta data na FOLHA DE S. PAULO, avisa que com a flexibilização do Yuan, A CHINA ESTÁ SÓ ENROLANDO O RESTO DO MUNDO.

No último fim de semana, a China anunciou uma mudança em sua política monetária, uma medida visando claramente evitar a pressão dos Estados Unidos e de outros países no encontro de cúpula do G20 neste fim de semana. Infelizmente, a nova política não trata da questão real, que é o fato da China estar promovendo suas exportações em detrimento do restante do mundo.

Na verdade, longe de representar um passo na direção certa, o anúncio chinês foi um exercício de má fé –uma tentativa de explorar o comedimento americano. Para manter a temperatura retórica baixa, o governo Obama tem usado linguagem diplomática em seus esforços para persuadir o governo chinês a por um fim ao seu mau comportamento. Agora os chineses responderam fazendo uso da mesma forma de linguagem americana para evitar lidar com a essência das queixas americanas. Resumindo, eles estão jogando.

Para entender o que está acontecendo, nós precisamos voltar aos elementos básicos da situação.

A política cambial da China não é nem complicada e nem sem precedente, exceto em sua escala. É um exemplo clássico de um governo desvalorizando artificialmente sua moeda frente às moedas estrangeiras, vendendo sua própria moeda e comprando moeda estrangeira. Esta política é especialmente eficaz no caso da China, porque há restrições legais à entrada e saída de fundos do país, permitindo que a intervenção do governo domine o mercado de moeda.

E a prova de que a China está de fato mantendo o valor de sua moeda, o yuan, artificialmente baixo é precisamente o fato do banco central estar acumulando tantos dólares, euros e outros ativos estrangeiros –no valor de mais de US$ 2 trilhões até o momento. Há todo tipo de cálculos visando mostrar que o yuan não está realmente desvalorizado, ou pelo menos não tanto. Mas se o yuan não está profundamente desvalorizado, por que a China precisa comprar cerca de US$ 1 bilhão por dia de moeda estrangeira para impedi-lo de valorizar?

O efeito dessa desvalorização da moeda é duplo: ele torna os produtos chineses artificialmente baratos para os estrangeiros, enquanto torna os produtos estrangeiros artificialmente caros para os chineses. Isto é, é como se a China estivesse simultaneamente subsidiando suas exportações e impondo sobretaxas protetoras aos importados.

Essa política é muito danosa em um momento em que a economia mundial permanece profundamente deprimida. Em tempos normais, seria possível que as compras pelos chineses de títulos americanos, apesar de distorcerem o comércio, ao menos nos forneciam um crédito barato –e era possível argumentar que não era culpa da China nós termos utilizado esse crédito para inflar uma vasta e destrutiva bolha imobiliária. Mas no momento nós estamos repletos de crédito barato; o que falta é demanda suficiente dos bens e serviços capazes de gerar os empregos que precisamos. E a China, ao manter um superávit comercial artificial, está agravando esse problema.

A propósito, isso não significa que a China ganha com sua política monetária. O yuan desvalorizado é bom para empresas exportadoras politicamente influentes. Mas essas empresas acumulam dinheiro em vez de repassarem os benefícios para seus funcionários, daí a recente onda de greves. Enquanto isso, o yuan fraco cria pressões inflacionárias e desvia uma parte imensa da renda nacional da China para a compra de ativos estrangeiros com uma taxa de rendimento muito baixa.

Então, onde o anúncio de política da semana passada se encaixa nisso tudo? Bem, a China permitiu a valorização do yuan –mas apenas um pouco. Até quinta-feira, a moeda estava aproximadamente apenas meio ponto percentual mais alta do que o nível anterior ao anúncio. E todos os indícios são de que observar a futura movimentação do yuan será como assistir pintura secar: as autoridades chinesas ainda estão fazendo declarações negando que um aumento de sua moeda fará algo para reduzir os desequilíbrios comerciais, e os preços no mercado futuro, no qual os corretores negociam os valores das moedas em vários pontos no futuro, sugerem um aumento de apenas aproximadamente 2% no yuan no final deste ano. Isso é basicamente uma piada.

O que os chineses fizeram, eles alegam, foi aumentar a “flexibilidade” de sua taxa de câmbio: ela está se deslocando mais diariamente do que no passado, às vezes para cima, às vezes para baixo.

É claro, os autores de políticas chineses sabem muito bem que apesar das autoridades americanas terem de fato pedido por uma maior flexibilidade cambial, isso foi apenas um eufemismo diplomático para o que os Estados Unidos, e o mundo, desejam (e têm o direito de exigir): um yuan muito mais forte. Permitir que a moeda valorize ou desvalorize ligeiramente não faz nenhuma diferença para os fundamentos.

E o que acontecerá a seguir? O governo da China está claramente tentando nos enrolar, adiando uma ação até que algo –é difícil dizer o quê– aconteça.

Isso não é aceitável. A China precisa parar de nos enganar e promover uma mudança real. E caso ela se recuse, então é hora de falarmos sobre sanções comerciais.




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