Economia
Complexo de vira-lata
Nelson Rodrigues criou a expressão “complexo de vira-lata” após a derrota sofrida na final da Copa de 1950, traduzindo um sentimento crônico de inferioridade nacional, inicialmente restrito ao campo do futebol e mais tarde abrangendo uma vasta gama de atividades (não mais o futebol!). Muito embora o governo faça questão de afirmar a superação do “complexo de vira-lata”, é visível o papel desta síndrome na mais recente onda de desculpas sobre o desempenho lamentável no campo da inflação.
Tanto membros da equipe econômica como colunistas automaticamente alinhados com o governo têm destacado que as taxas de inflação observadas atualmente não diferem muito da média registrada desde o início do regime de metas para a inflação. Neste período a inflação média atingiu 6,3% ao ano, apenas ligeiramente abaixo dos níveis recentes.
Assim, segue o argumento, não haveria nada de errado com a inflação atual. De forma mais sutil (mas que parece impregnar o pensamento inclusive do Banco Central), este tipo de colocação tenta ressuscitar a tese que a inflação brasileira seria naturalmente elevada por conta de “problemas estruturais” que tornariam mais difícil sua redução sem enorme custo do ponto de vista de atividade. Daí a noção que a inflação só cairia com o uso de outros instrumentos (reformas, mudança no perfil da dívida pública, etc.), terminando por concluir pela postergação constante do momento de atacar o problema de frente.
Nada mais falso. A começar pelo argumento da média que, parafraseando expressão algo sexista (desculpem!) atribuída, como tantas outras, a Roberto Campos, a média é como o biquíni: revela o interessante, mas oculta o essencial.
Em primeiro lugar, a média simples deixa de lado as mudanças da meta de inflação no período: começou com 8% em 1999 e é hoje de 4,5%, passando por até 8,5% (meta ajustada) em 2003. O correto, portanto, não é analisar o nível da inflação, mas seu desvio relativamente à meta: 1,5% ao ano no período.
Mais importante, porém, é a distribuição deste desvio, quase todo concentrado em dois anos: 2001 (ano do “apagão” e da crise argentina) e 2002 (a transição política). De fato, logo no primeiro governo Lula a média do desvio da inflação foi 0,5% ao ano, aumentando levemente para 0,6% ao ano no segundo governo (contra crescimento médio do PIB, diga-se, de 3,5% e 4,5% ao ano respectivamente). Não foi o ideal, mas bem melhor do que temos observado até agora (desvio médio de 1,7% nos dois primeiros anos do atual governo e expectativas de 1,2% ao ano em 2013 e 2014).
Já no que se refere à comparação do desempenho com os demais países da América Latina que adotam metas para a inflação, o Brasil não fazia feio, registrando desvio pouco superior à média (e mediana) entre 2004 e 2010. Hoje, pelo contrário, o país lidera sozinho o campeonato inflacionário dentre os países latino-americanos com regime monetário semelhante.
Estes números sugerem não haver nada de “estrutural” na incapacidade de entregar a inflação mais próxima da meta, além do recém-redescoberto “complexo de vira-lata”. Não apenas tínhamos desempenho alinhado ao de países sujeitos a choques similares, mas, principalmente, nossa história mostra que um Banco Central mais decidido foi capaz de entregar a inflação bem mais próxima à meta do que parece ser possível hoje, sem prejuízo ao crescimento de médio e longo prazo.
A inflação alta não se deve a “choques externos”, nem à incapacidade congênita do país; resulta, sim, da adoção de políticas incompatíveis com a convergência à meta, característica, aliás, que não vai se alterar com o arremedo de aperto monetário prometido pelo Copom. A diferença essencial entre o Brasil de hoje e o de pouco tempo atrás se resume ao cabresto imposto ao BC e docilmente aceito pela instituição, também vítima do “complexo de vira-lata”.
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Não dá, é muito difícil, não dá... |
(Publicado 24/Abr/2013)
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