Editorial do GLOBO alerta para o risco de retorno da inflação.
A inflação no Brasil sempre foi muito desafiadora, e, não por acaso,
várias tentativas de vencê-la na fase aguda do problema fracassaram, até que
a engenhosidade do Plano Real, favorecida pela conjugação de um momento
político e econômico oportuno, livrou o país daquele pesadelo que parecia sem
fim.
Diante do que ocorreu nesse longo período, a economia brasileira, após
o lançamento do real, passou a conviver com uma relativa estabilidade
monetária. Não sem sacrifícios. O esforço para se disciplinar as finanças
públicas até hoje perdura, com os contribuintes tendo de arcar com uma carga
tributária extremamente pesada (36% do PIB). A política monetária foi
essencialmente restritiva nesses quase vinte anos, com percentuais elevados
de recolhimentos compulsórios sobre os depósitos bancários e taxas de juros
bem elevadas.
Mas, não fosse isso, dificilmente teria sido possível manter a
inflação dentro das metas previamente fixadas pelo governo. Metas que, por
sinal, miram em um ponto central (4,5%) acima da média apurada nas economias
mais maduras e até de países com crescimento mais acelerado que o Brasil. Em
face das peculiaridades do processo inflacionário no país, as autoridades
governamentais adotaram metas com razoável grau de tolerância (dois pontos
percentuais para cima ou para baixo do ponto central).
Com o agravamento da crise financeira nas chamadas economias mais
maduras, a política de taxas de juros muito elevadas precisou ser ajustada no
Brasil para evitar movimentos indesejáveis nos fluxos de capitais. Com isso,
as autoridades monetárias deixaram de contar com um instrumento de alto poder
de fogo contra a inflação. Assim, mesmo com um baixo crescimento, a inflação
tem se comportado de maneira preocupante, oscilando bem próximo do teto da
meta (6,5%).
Na reunião realizada este mês, o Comitê de Política Monetária (Copom)
reconheceu esse risco de mudança do patamar da inflação. Não são poucos os
fatores que têm contribuído para impulsionar os preços (entre os quais a
remanescente indexação automática de tarifas e do próprio salário mínimo),
mas também se espera que outros ajudem a segurar a alta, como a boa safra de
alimentos este ano.
O Copom preferiu aguardar um pouco mais para decidir o que fazer. É
compreensível, considerando-se o momento confuso no mundo e da ainda
indefinida tendência da economia brasileira. No entanto, se a inflação
persistir no atual patamar, as autoridades monetárias terão de agir mais
duramente. Essa possibilidade ficou no ar na ata do último Copom, e, por
isso, o próximo, marcado para abril, será cercado de grande expectativa. É
importante que fique claro que o Banco Central tem autonomia para adotar
remédios fortes, se forem necessários.
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