Economia
Até quando teremos floresta no Pará?
Esta matéria do O GLOBO eu li no blog do Reinaldo Azevedo. Ele conclui que "enquanto o debate sobre o novo Código Florestal sataniza os ditos “ruralistas”, ficamos sabendo que um dos principais agentes do desmatamento no Pará é o governo e sua política de distribuição de terras."
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Metade da população rural do Pará vive em áreas de reforma agrária
Por João Sorima Neto:
O Pará já tem uma “metrópole” vivendo em assentamentos. Dos 7,5 milhões de habitantes do estado, cerca de 1,3 milhão mora em áreas que foram destinadas à reforma agrária, segundo dados do Incra. Isso significa que os assentados correspondem a 17% da população total e à metade da população rural do estado. Pelo IBGE, uma cidade é considerada metrópole quando o número de seus habitantes ultrapassa um milhão. É como se toda a população de São Luís ou de Goiânia morasse em assentamentos. No Pará, para piorar, essa “metrópole” se expande e avança sobre áreas da Floresta Amazônica que deveriam ser preservadas. “O número é extremamente preocupante. Hoje, não há fiscalização eficaz em todos esses assentamentos, e muitos são irregulares. O desmate avança sem controle”, diz Paulo Amaral, pesquisador da Oscip Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon).
Os números confirmam a preocupação. Levantamento do Imazon mostrou que, em agosto deste ano, o Pará foi o estado que mais desmatou na Amazônia. Foram 119 quilômetros quadrados de vegetação derrubada no estado, metade da área devastada na Amazônia Legal no período. A derrubada de árvores ocorre também nos assentamentos. No Praialta-Piranheira, em Nova Ipixuna, sudeste do Pará, o Ibama descobriu recentemente 340 hectares de floresta que viraram pasto. Os fiscais do Ibama viram que as 200 famílias assentadas no início do projeto, em 1997, hoje são 400. “O número de famílias aumentou, seja porque muita gente invadiu o assentamento ou adquiriu terra ilegalmente. E a maioria não vive do agroextrativismo, do uso sustentável da floresta, mas da exploração ilegal de madeira e carvão, além da criação de gado”, diz Marco Vidal, coordenador da operação do Ibama em Nova Ipixuna.
Num dos lotes, o “proprietário” derrubou a mata até a margem de um rio para o gado pastar. Não respeitou sequer a área de preservação legal na beira de rios, para evitar assoreamento. A madeira cortada era para fazer carvão. Apesar de ocupar a terra, o agricultor nem morava ali. Ele disse aos fiscais do Ibama que comprou parte do lote de um assentado em agosto de 2010, por R$ 5 mil, em transação não reconhecida pelo Incra. Esse padrão, segundo o Imazon, repete-se em outros assentamentos do Pará: a madeira vira carvão; a floresta, pasto; o assentado arrenda ou vende a terra a madeireiros e agricultores.
Nos últimos três anos, 2,7 mil hectares de floresta viraram pasto no Praialta-Piranheira, segundo levantamento do Ibama de Marabá. Foi numa estrada para esse assentamento que o casal de extrativistas José Claudio Ribeiro e Maria do Espírito Santo morreu numa emboscada em maio. “Mesmo sendo o único assentamento agroextrativista do sudeste do Pará, o Praialta-Piranheira repete o mesmo padrão de toda a Amazônia paraense. Perde-se floresta para a pecuária”, diz Vidal.
Semana retrasada, no oeste do Pará, servidores do Incra pediram proteção à Polícia Federal. Eles foram ameaçados por madeireiros e grileiros que intimidam agricultores e assentados da região. Nessa área, está o Projeto de Desenvolvimento Sustentável Esperança, idealizado pela missionária Dorothy Stang, que foi assassinada. O local é constantemente invadido para retirada ilegal de madeira, e moradores ligados aos madeireiros fazem protestos contra a ação do Ibama. “Esse modelo de assentamentos em terras da União não tem referência de sucesso”, diz Carlos Lamarão, presidente do Instituto de Terras do Pará (Interpa), órgão do governo do estado que também faz doação de terras e já assentou 9.102 famílias no estado.
Estudo do Imazon mostrou que os assentamentos foram responsáveis por pelo menos 15% do desmatamento da Amazônia até 2004. No sul do Pará, onde há atualmente 500 assentamentos, o percentual de devastação da floresta sobe para 50% nesse período. A região, que engloba as cidades de Marabá, São Félix do Xingu, Santana do Araguaia e Tucuruí, tem sido um dos principais eixos de ocupação da Amazônia. A pressão por terras e recursos naturais ali é enorme. O resultado é que novos assentamentos têm sido criados em áreas de floresta nativa, e o desmatamento avança a uma taxa de 3% ao ano, diz o Imazon.
No oeste do estado, a Justiça Federal interditou 99 assentamentos criados pelo Incra, desde 2005, por irregularidades no licenciamento ambiental. Com a decisão, as famílias assentadas não podem receber recursos públicos para legalizar os lotes. Para o juiz Francisco de Assis Garcês Castro, o licenciamento em terras da União deve ser feito pelo Ibama, e não pela Secretaria estadual do Meio Ambiente, como ocorria. Segundo o Ministério Público Federal, que fez a denúncia, a regularização desses assentamentos atende a interesses dos madeireiros: a aprovação de planos de manejo para retirar madeira desses locais é mais simples.
“O Incra está colocando à disposição dos trabalhadores rurais vastas porções de terras da Amazônia e sua cobiçada biodiversidade, sem verificar os efeitos que podem ser gerados no meio ambiente”, escreveu o juiz ao conceder a liminar.
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