Economia
A OPA Norte e Sul
Quem pôde acompanhar a evolução da Oferta Pública de Aquisição que o Grupo Sonae lançou sobre a Portugal Telecom ao longo dos quase 13 meses que durou a operação, terá ficado diversas vezes com a sensação que estava a acompanhar uma autêntica guerra Norte-Sul, quase ao estilo da Guerra da Secessão Norte-Americana.
Aqui, porém, a aristocracia do Sul venceu o Norte industrializado, Cascais bateu a Maia, a Confederação de interesses derrotou o espaço União...
Não está aqui em causa saber se a oferta da Sonaecom era ou não vantajosa para os accionistas da PT, ou mesmo discutir se a PT sob a gestão Sonae teria melhores resultados, prestaria um melhor serviço e perderia aquele travo de monopolista que ainda se vai sentindo aqui e além, na forma como se relaciona com a concorrência e com os seus clientes.
Um ano e um mês depois a OPA morreu. Antes de chegar ao mercado, dizem alguns, esquecendo-se talvez que uma Assembleia Geral de uma empresa cotada é ela própria mercado: o espaço em que os seus accionistas conseguem expressar o poder determinado pelas acções que detêm e, por essa via, pelos seus votos.
É claro, porém, que a OPA morreu de forma precoce: numa discussão de cariz administrativo – sobre a desblindagem dos estatutos da empresa –, antes de se avaliar a qualidade da oferta formulada pelo potencial adquirente.
Se parece óbvio que a Sonae não poderia aceitar prosseguir a OPA sem que tais restrições ao exercício dos direitos de voto dos accionistas fossem removidas, já não é tão evidente que o processo de desblindagem de estatutos da PT tivesse que se confrontar com tão rotunda reprovação.
Contra o real-pragmatismo das empresas, seria desejável que a democracia societária pudesse dar um ar da sua graça, que todos os accionistas recebessem o mesmo tipo de tratamento e que o Estado - de cuja golden-share Bruxelas tratará em breve – pudesse assumir uma postura diferente da “neutralidade” conivente em que se traduziu a sua abstenção e o voto contra da Caixa Geral de Depósitos.
A OPA morreu mas deixa um precioso testamento para uma série de sete destinatários.
Desde logo, para os accionistas da Portugal Telecom. As sucessivas movimentações de defesa desenvolvidas pelo Conselho de Administração da PT irão propiciar-lhes um rendimento de 5,7 mil milhões de Euros ao longo dos próximos anos: parte, directamente resultante do spin-off das acções da PT Multimédia (PTM), que passará a constituir-se como empresa autónoma no universo PT; outra, associada ao processo de recompra de acções a um valor indicativo de 11,5 Euros (mais um do que a oferta da Sonaecom), que poderá ascender a 16,5% do capital da PT; o restante, em dividendos que serão pagos até 2009.
Em segundo lugar, para os possíveis concorrentes à aquisição da PTM. Assim se concretize a entrega desta empresa aos accionistas, o que deve ocorrer ainda este ano, prosseguirá o desfile de beleza dos candidatos à sua aquisição. Da Sonae, de novo, ao BES, à Media Capital, a todo um conjunto de empresas e investidores nacionais e estrangeiros, não faltarão interessados numa empresa que agregará operações nas redes de voz, dados e TV.
Em terceiro lugar, para o próprio sector das telecomunicações. Além da autonomização da PTM, a separação das redes de cobre e cabo (ambas detidas pela PT) é um dos principais legados desta operação que o Ministro das Obras Públicas, Mário Lino, já se manifestou empenhado em fazer cumprir, “em benefício do consumidor”.
Em quarto lugar, para a própria Portugal Telecom. Ultrapassadas as restrições com que se deparou durante o período da OPA, que alegadamente a terão feito perder algumas oportunidades de negócio em África, a empresa visada poderá ganhar com o efeito psicológico do resultado final e com os efeitos práticos de uma convergência tão clara de posições entre o seu núcleo duro de Accionistas, claramente liderado pelo BES e em que a Telefónica parece já não ter lugar.
Em quinto lugar, para o Presidente da PT e para a sua Administração. Henrique Granadeiro foi um verdadeiro lobo que saiu vencedor desta batalha, ao ponto de poder voltar a vestir a pele de cordeiro na carta que dirigiu aos trabalhadores da empresa, congratulando-os pelo fim da OPA e afiançando que "a PT é de quem não pensa única e exclusivamente em lucro, mas pensa também nos outros".
Em sexto lugar, para o Millennium BCP: desde Sexta-feira, deixou de ser a única grande empresa nacional que viu frustrar-se uma OPA no ano em curso; desde há alguns meses, conseguiu que o comum dos cidadãos percebesse quem era aquele senhor que aparecia nos anúncios do Banco.
Por último, a família Azevedo e o Grupo Sonae. Numa verdade de La Palisse poder-se-ia dizer que quem não ganha, perde, mas a verdade é que La Palisse não é reconhecido como um grande especialista de gestão.
Com a OPA à PT, o Grupo Sonae conseguiu alguns dos seus objectivos operacionais (atente-se à referida separação das redes e à alienação da PTM) e Belmiro de Azevedo credibilizou um sucessor, ao mesmo tempo que se voltava a afirmar como um dos poucos grandes empresários nacionais com real espírito de iniciativa.
Resta, agora, esperar pelos “planos alternativos” que diz fazer todos os dias, “porque não há vitórias nem derrotas definitivas”. Até já?
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