Economia
A dieta da meta fiscal
Passei uma semana nos EUA visitando investidores e resolvi aproveitá-la em todos seus aspectos, incluindo a facilidade de usar a bicicleta ergométrica do hotel, na qual me exercitei religiosamente (45 a 50 minutos por sessão, com carga ao redor de 75% da máxima) em cinco dos seis dias que estive lá. Reduzi também o consumo de calorias, evitando (exceto por dois jantares, sem sobremesa) os excelentes restaurantes nova-iorquinos. O resultado, como seria de se esperar para um descendente de uma longa linhagem de indivíduos horizontalmente prejudicados, foi uma perda negativa de peso. Em bom português, engordei e, portanto, me desviei ainda mais da meta que me foi imposta há alguns meses.
Descobri, porém, a solução perfeita: reajustando a meta uns tantos quilos para cima, descobri que, na verdade, estou suficientemente perto do meu peso alvo para deixar de me preocupar com a balança e aproveitar a vida. Redefinindo ainda parcela da gordura como músculo, cheguei à conclusão que não apenas meu peso é adequado, mas também que minha forma física invejável me permite agora até certos prazeres gastronômicos há muito não desfrutados. A minha vida mudou depois da dieta da meta fiscal, uma criação milagrosamente simples do governo brasileiro.
Assim, caso haja sinais que, por um motivo qualquer, não será possível atingir a meta que o próprio governo se impôs, basta redefini-la, estabelecendo um valor mais baixo. A persistirem as dificuldades, não há problema. Primeiro estabeleça que certos investimentos (executados no contexto do Programa de Aceleração de Crescimento, PAC) podem ser abatidos para fins de aferição do resultado. Não se desespere se houver atraso na execução dos investimentos do PAC: reclassifique investimentos já executados, de forma que passem a fazer parte do programa, permitindo sua dedução da meta de superávit. Se, mesmo assim, a meta parecer inatingível, sempre restará o Fundo Soberano para ajustar as contas.
E, caso tudo isto falhe, ainda é possível, como de hábito, prometer que começaremos, sem falta, a cumprir a meta no ano que vem, a partir de segunda-feira.
Até agora o único problema que a dieta da meta fiscal me causou foi certa dificuldade de caber nas roupas para magros. As confecções nacionais, certamente motivadas pelo seu inexplicável credo neoliberal, não foram capazes de convencer as calças 42 que o diâmetro da minha cintura não deveria ser obstáculo ao seu uso, de modo que continuam se recusando obstinadamente a serem abotoadas. De pouco adianta argumentar que a crise internacional rompeu antigos paradigmas, revelando tanto as falhas da teoria econômica neoclássica como a falácia do estado mínimo tupiniquim; as calças permanecem irredutíveis e, principalmente, inabotoáveis.
Pelos mesmos motivos inconfessáveis, creio, a redução da meta do superávit primário, ainda que ajustada por todas as siglas que consigamos imaginar, não consegue convencer a dívida pública a não crescer. Mais importante ainda, embora a arrecadação provavelmente volte a crescer no ano que vem, o aumento permanente do gasto público também deverá enfrentar dificuldades consideráveis para persuadir a demanda a não continuar se expandindo no contexto de uma recuperação vigorosa da economia.
Receio assim que nem o Dr. David Lewi, nem o Banco Central, se deixarão convencer pelas promessas da dieta da meta fiscal. Dificilmente sairei da minha próxima consulta sem uma renovada recomendação de perda de peso, a mesma que o Banco Central fez ao governo na semana passada.
(Publicado 30/Set/2009)
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