A Desigualdade de Renda na China - João Ricardo Trevisan de Souza
Economia

A Desigualdade de Renda na China - João Ricardo Trevisan de Souza




A partir da reforma econômica do final dos anos 1970, e as impressivas taxas de crescimento que a seguiram, a China tem sido alvo de estudos de economistas ao redor do planeta. No início, a maior parte das pesquisas procurava entender as forças por detrás do rápido crescimento, entretanto, com o passar do tempo, os efeitos colaterais do milagre chinês passaram a ganhar mais atenção. Dentre estes efeitos colaterais, a crescente desigualdade de renda tem sido um dos temas mais discutidos.

Desde a criação da República Popular da China em 1949, o país sofreu três “crises de desigualdade”. A primeira teve seu pico ao fim do Grande Salto para Frente, a segunda atingiu o ponto máximo ao fim da Revolução Cultural em 1976 e a terceira teve início em 1987 e se estende até os hoje em dia. Entre estes  três momentos, o atual é provavelmente o mais grave. Isso porque a desigualdade mostra-se crescente durante um grande período e não esta associada a nenhuma crise econômica ou política/social como foi, respectivamente, o caso do “Grande Salto para Frente” e da “Revolução Cultural”. Além disso, o atual nível de desigualdade, medido pelo índice de Gini, é o maior de toda a história do país.


A desigualdade de renda pode ser vista de diferentes perspectivas. Em especial,  desigualdade entre moradores da zona rural e das cidades, diferença de renda entre as regiões e diferença entre os moradores de uma mesma área/cidade. No caso chinês entender as diferentes perspectivas é de extrema importância para a análise devido ao sistema de registro de moradores (conhecido como Hukou), de acordo com o sistema, cidadãos não podem migrar livremente de uma região para a outra -assim como da zona rural para a cidade- e, conseqüentemente, não podem usufruir dos avanços de uma determinada região. Uma das conseqüências deste sistema são os chamados trabalhadores migrantes (algumas estimativas sugerem que o atual número de trabalhadores migrantes é de 300 milhões).

Diferentemente de Japão, Coréia e Taiwan  que cresceram sem aumentar o nível de desigualdade, criando o chamado The east asian miracle (Banco Mundial 1993), a China, como mencionado anteriormente, passa por um processo de intensificação da desigualdade de renda. Este processo é similar ao ocorrido na América Latina e, parece, confirmar a hipótese levantada por Kuznetz (em um primeiro momento, durante o crescimento da renda per capita, a desigualdade cresce, entretanto, quando um certo ponto de riqueza é atingido, o nível de desigualdade começa a cair).

Como dito anteriormente, a atual “crise de desigualdade” teve início em meados dos anos 1980. De acordo com o Wang Fang (2011) e Nações Unidas (2006), esta crise coincide com o período em que vários países, desenvolvidos ou não, começaram a sofrer do mesmo mal. Ambos os autores também indicam que grande parte deste aprofundamento na diferença de renda entre ricos e pobres foi causado, ou intensificado, por políticas de cunho neoliberal.  Além disso, as Nações Unidas, apontam que, durante este período, os governos pouco fizeram para promover uma distribuição mais igual da renda.

Desta forma, a peculiaridade chinesa parece ser justamente, o sistema de registro e a conseqüente manutenção de uma grande parte da população na zona rural. Essa estratégia ao mesmo tempo em que garantiu  a China a possibilidade de urbanizar-se sem as pressões provocadas pelo êxodo rural, criou uma sociedade paralela que vive as margens do progresso atingido pelas grandes cidade. Comparações superficiais entre campo e cidade já são o suficiente para mostrar o tamanho do drama e segundo Barry Naughton (2007) esse é o fator mais importante para explicar a desigualdade de renda na China (mas obviamente não é o único pois a desigualdade dentro da cidade e dentro do campo também é crescente)


Por fim, Barry Naughton  aponta os principais fatores que intensificaram o processo de concentração da renda: a geografia chinesa, os investimentos externos diretos centralizados nas zonas costeiras e o legado de algumas instituições socialistas.

É difícil saber o rumo que as coisas vão tomar no futuro, entretanto, a tendência sugere que a desigualdade de renda na China continuará crescendo. O governo chinês tem tomado algumas atitudes para combater a desigualdade, principalmente no que tange a desigualdade entre campo e cidade e a desigualdade entre as províncias. Mas os resultados, por enquanto, não são evidentes e ainda será necessário um grande esforço para evitar a “america latinização” da China.

Fontes:
Banco Mundial (1993) - “The east asian miracle”
Barry Naughton (2007) - “The Chinese Economy”
Nações Unidas (2006) - “Growing with equity in East Asia”
Wang Fang (2011) - “The End of ‘Growth with Equity’? Economic Growth and Income Inequality in East Asia”



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