A África e a Copa
Economia

A África e a Copa


Antes e durante as últimas várias Copas do Mundo, todos nós tivemos que sofrer ouvindo um lugar comum irritantíssimo: “esta Copa marcaria a maturidade do futebol africano”, que finalmente conseguiria os resultados que o continente merece.

Acabei de assistir a derrota dos Camarões de Eto’o (um dos 20 melhores centro-avantes que vi jogar) para a pequena Dinamarca, e sua consequente eliminação prematura. Com o empate de Gana com a Austrália, as chances de classificação desse país devem ser menos que 50% porque enfrentarão na terceira rodada a Alemanha que precisa de uma vitória.

Considerando-se que a Argélia ainda não marcou um gol em dois jogos, e que o time da casa, a África do Sul é horrível, o único time africano hoje com mais de 50% de chances de classificação é a Côte d’Ivoire de Didier Drogba que enfrenta o Brasil amanhã.

Resumindo: mais uma Copa, e até agora, nenhuma evidência de convergência do futebol africano, a despeito de centenas (milhares?) de jogadores africanos militando no exterior como futebolistas profissionais.

Existem várias explicações para este aparente fracasso africano (Tio “O” bate na madeira três vezes), e gostaria de discutir um fator fundamental e ululantemente óbvio e uma teoria especulativa que tenho cozinhado faz algum tempo.

Primeiro, o fator fundamental (e óbvio) é a economia. Não é necessário uma economia pujante para gerar maratonistas (vide Etiópia), mas o futebol, a despeito dos mitos contrários, necessita a infra-estrutura que somente países a partir de um nível de renda possuem. Não é por acaso que o Nordeste brasileiro é historicamente sub-representado na Seleção Brasileira. Assim como não é por acaso que países pequenos como o Uruguai, a Dinamarca ou a Suécia têm uma maior tradição futebolística que o Egito, a África do Sul ou a Nigéria.

O segundo fator – e aqui entra a especulação – é a ausência de capital humano. Veja a foto abaixo do técnico camaronês, Paul Le Guen:



Como explicar que um país como Camarões, que tem uma tradição futebolística que vem desde pelo menos a Copa de 1982, quando o time liderado por Roger Milla conseguiu empatar com a futura campeã, a Itália, escolhe não contratar um técnico local para sua seleção? Será possível que nenhum dos veteranos de 1982 merece ser confiado com um cargo administrativo e de liderança? O que se passa?

Especulo agora. Como o fenômeno é comum a todos os países do sul do Sahara, deve representar um problema estrutural: é possível que tais países são tão pobres de capital humano que sua elite intelectual é tão rarefeita que qualquer camaronês que tem capital humano suficiente para treinar 22 atletas de ponta já deve estar na política ou imigrou (porque em seu país é perigoso ser inteligente, como um amigo sudanês, professor em uma universidade americana me explicou).

Agora levo a especulação mais longe ainda. Por que não existe uma elite intelectual nos países ao sul do Sahara (ao contrário da Índia ou Paquistão que são similarmente pobres)? Certamente, o colonialismo não ajudou – ser governado por uma potência estrangeira não é o melhor modo de se gerar know-how doméstico. Outro fator é a pervasiva ausência de propriedade privada da terra que impede até os tempos de hoje a organização da agricultura burguesa visando o lucro, que muitas vezes é o primeiro passo para a construção de uma sociedade moderna. Em países como o Brasil, onde uma elite conseguiu controlar de facto a propriedade fundiária e teve oportunidades de lucros significativos com o café no Sudeste, uma classe média emergiu (organicamente) e a sociedade obteve algum grau de controle sobre os homens armados no Estado. No típico país ao sul do Sahara, a maior parte da propriedade fundiária é comunal (leia-se: se o N’kono é produtivo, trabalha duro e cuidou bem de sua gleba, seu primo, o N’bono pode encostar o corpo e requisitar a gleba do primo ao chefe do clã—portanto o N’kono prefere ser motorista de táxi em Paris), o que gera não só uma armadilha de pobreza, mas também estimula o êxodo dos mais capazes. Diga-se de passagem, na ausência de oportunidades de ascensão social pela via do mercado, maior também o estímulo para obtenção de riqueza por meio da força...

E no final das contas, acaba o país tendo que importar isso:



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